Motel Destino é um thriller erótico dirigido por Karim Aïnouz sobre desenrolar de um triângulo formado pelos personagens de Iago Xavier, Nataly Rocha e Fábio Assunção nas instalações do motel que dá nome ao filme. O longa já havia sido exibido em festivais nacionais e internacionais de cinema, como o Festival de Cannes onde foi ovacionado.
Motel Destino tem sua estreia nos cinemas marcada para o dia 22 de agosto. Mas, além de conferir o filme na cabine de imprensa, foi possível entrevistar o diretor e o elenco em uma sessão de pré-estreia exclusiva para convidados.
“uma pergunta que me fazem quando tem uma cena de sexo é ‘por que?’. Mas a pergunta deveria ser ‘por que não uma cena de sexo?‘”
Karim Aïnous
Entrevista com Karim Aïnouz:
A.G.: Você já deu uma entrevista para o Cinema com Crítica, para o meu mestre, o Márcio Sallem. Não sei se você se lembra.
K.A.: Claro, Claro.
A.G.: Vocês falaram a respeito da questão do erotismo, do sexo. E eu queria que te fazer uma pergunta que também tem a ver com isso. Bates Motel, Overlook Hotel, Motel Destino (…) um cenário que reúne erotismo, mas também reúne violência. Qual a sua visão a respeito de as pessoas assimilarem a violência com mais facilidade do que o sexo, enquanto um é antinatural e o outro um ato da natureza?
K.A.: Nossa, mas essa sua pergunta me deixa tão feliz! Você não está entendendo o quanto eu fico feliz com a sua pergunta! Porque a quantidade de perguntas que me foram feitas desse filme sobre a coordenação de intimidade nas cenas de sexo. E eu acho uma maluquice. Assim, porque, na verdade, a gente toma café da manhã, a gente faz sexo, a gente janta. Quer dizer, é um negócio que é parte de a gente existir no mundo. Sexo é uma celebração da vida. Assim (…) eu fico me perguntando (…) eu nunca vi ninguém perguntar por que não tem coordenador de intimidade em cenas de violência e crime no cinema, entendeu? Assim, eu acho muito curioso (…) será que não perguntam para as pessoas que tão interpretando como são tratadas em filmes que matam mais de três mil pessoas. Eu realmente fico muito surpreso, fico muito feliz com a sua pergunta. Eu acho que, assim, o sexo é intimidade. (o sexo) É encontro de duas pessoas, três pessoas, ou quantas pessoas forem. E eu acho que sexo é celebração da vida. Então eu fico surpreso como a gente fala mais de morte do que de vida, né. Na verdade, a gente fala de filmes que celebram a morte, que falam de crimes, e aqui é um filme que fala de vida. Então, tem a ver com algo que para mim é um tanto incompreensível. Por que que isso é um tema? Sexo não é um tema. Na verdade, eu espero que isso mude. A gente fez (…) uma das razões que a gente fez Motel Destino é que ele seja um filme celebratório dessa afirmação de vida que é a sexualidade.
A.G.: E, inclusive, você traz o sexo como uma questão voyeurística. Não só daquelas pessoas (personagens). As pessoas se chocam, mas você acaba colocando o sexo fora de campo através do som. E, também, do sexo entre animais. Você tem ali dois burros transando. Não sei se é uma alusão Bressoniana. E você traz outros contextos, com outros personagens em um ato natural nessa história.
K.A.: Eu acho que as cenas de intimidade são cenas super humanas. E, assim, uma pergunta que me fazem quando tem uma cena de sexo é “por que?”. Mas a pergunta deveria ser “por que não uma cena de sexo?”.
A.G.: E trabalhar o sexo dentro de uma linguagem de suspense. Como que é isso?
K.A.: Acho que isso é uma tradição de um gênero cinematográfico, né. O suspense erótico, ele é muito derivado dessa tradição de cinema. E (também) do terror psicológico. É eternamente essa pulsão de vida e morte que ele fala. E, em uma última instância uma história de amor proibida entre o Heraldo e a Dayana.
Entrevista com Iago Xavier:
A.G.: Seu personagem passa por diferentes lugares. Já esteve no lugar de algoz, de vítima e, também, de salvador. Eu gostaria que você comentasse sobre essa complexidade que é o Heraldo, um personagem que é tão distinto e que resplandece e se reinventa ao longo da narrativa.
I.X.: Eu acredito que o Heraldo tem dentro dele uma coisa que move ele. Que, acima de tudo, é uma vontade de viver. Eu acho que isso é meio que um alicerce desse personagem. (Ele) Que passa por muitas coisas durante o filme, e muitas dessas coisas, é difícil continuar seguindo depois disso, né. E eu acho que o que move ele é esse alicerce, essa vontade de viver. E ele tem uma coisa ali, alguma coisa que faz dele um personagem bem real. A gente, na nossa realidade, se vê nesse lugar de herói, nesse lugar de vilão, e para diferentes pessoas. Então, eu acho que o Heraldo, na sua base mesmo, ele é uma pessoa bem real. E eu acredito que me inspirei em pessoas bem reais que eu conheci para poder compor esse personagem. Alguns vizinhos meus, algumas pessoas da minha periferia, do meu bairro… algumas pessoas que são conhecidas minhas. Então eu acho que elas são o alicerce desse personagem.
A.G.: Ele é um personagem legítimo e solar ao mesmo tempo, né. Mas e a sua estréia? Como é estrear no cinema sob a direção desse titã que é o Karim, e com um veterano fortíssimo como o Fábio Assunção compartilhando a tela com você, sendo o personagem dele o oposto do seu. Como é dividir a tela com tantas potências?
I.X.: Nossa! Primeiro, é uma realização muito grande de um sonho de estar fazer um filme do Karim. Eu já era muito fã dele antes desse convite para fazer o filme. Então eu realizei um grande sonho meu de fazer um filme dele. Me senti completamente honrado. E queria poder falar de como foi dividir o set com essas preciosidades, né: O Karim (Aïnouz); o Fábio (Assunção), um ator experiente pra caramba; E com a Nataly Rocha, que é uma atriz que tem a sua experiencia também. Queria falar da generosidade deles comigo. Esse filme só foi possível, esse personagem só veio porque eu tinha parceiros de cena muito generosos comigo e que dividiam a cena muito bem. Todo mundo brilhou muito nesse filme e eu sou muito grato por isso.
A.G.: O seu personagem acaba tendo um certo embate com o personagem do Fábio Assunção. Mas ele tem uma sinergia muito grande com a personagem da Nataly. Queria que você comentasse um pouco dessa dinâmica entre os três. Até pela questão do erotismo presente no filme enquanto elemento de linguagem. Como foi enquanto ator, como foi construir o que se passa na cabeça do personagem naquele momento, como era se ver aprisionado naquele lugar que era caótico, hostil e ao mesmo tempo um refúgio, chamado Motel Destino?
I.X.: Bom, a gente pode viver no motel. Literalmente. A gente passou muito tempo no motel. A gente ensaiou no motel. Boa parte do filme se passa dentro do motel, então enquanto a gente não tava filmando, a gente tava descansando em um dos quartos do motel… tava andando pelos corredores do motel. Então, eu acredito que, a gente conseguir conhecer bem esse espaço foi essencial para a gente desempenhar o papel que a gente fez. E, assim, esse trio, ele só veio por conta da nossa vivência mesmo. A gente sempre se procurava durante as filmagens. A gente praticamente viveu junto também. Então a gente foi conhecendo um pouquinho um do outro e levando isso para dentro dos personagens. E eu e o Fábio, a gente tinha umas coisas de ficar disputando um com o outro, assim. Então a gente levou essas coisas pros personagens também como forma de enriquecer essa obra.
A.G.: E, apesar da tensão, o filme tem uns momentos até cômicos, né. Dá pra sentir a sinergia entre eles, o que acaba quebrando um pouco desse clima tenso. Achei Motel Destino um ótimo filme, e imagino que tenha sido uma ótima experiência gravar ele, realizar ele. E, acima de tudo, é um filme como você falou, com personagens reais que vão além daquele contexto maniqueísta de bem e mal, certo e errado, que os tornaria unidimensionais. Sobre essa experiência, é mais complexo lidar com esses personagens que são tão plurais?
I.X.: É, acredito que seja, né. Porque senão a gente acaba caindo numa coisa monossilábica, de falar sempre com o mesmo tom. Então acaba sendo mais complexo lidar com esses personagens reais.
Entrevista com Nataly Rocha
A.G.: A sua personagem é um a mulher que está dentro desse cenário que é um castelo naquela narrativa e, apesar de ela ser hostilizada pelo personagem do Fábio Assunção, ela também é uma rainha. Ela comanda lá. Eu gostaria que você comentasse um pouco mais sobre a Dayana.
N.R.: Lá eu boto moral , como diz no Ceará (risos)! Então, o que eu tentei fazer foi criar uma personagem que ela não fica só nesse sofrimento e violência machista porque, as vezes também é cansativo…às vezes não… é muito cansativo ficar o tempo todo nessa técnica. Eu tentei fazer uma personagem mais sola, que trouxesse um pouco de humor e respiros dentro dessa opressão em que ela está inserida. E vamos ver o que o pessoal acha dessa minha tentativa.
A.G.: E o que você acha de o cinema brasileiro ter saído desse centro Rio-São Paulo, e está com olhares vindo de diferentes regiões, principalmente no Nordeste?
N.R.: Olha, eu acho que o cinema tem que estar em todo lugar, sabe? Existem muitas narrativas, muitas histórias a serem contadas. Eu acho muito interessante os filmes do nordeste terem visibilidade. Sobretudo filmes brasileiros. Porque a gente precisa valorizar o cinema nacional. A gente precisa valorizar o filme brasileiro com boa ética. Ele é sempre bem-vindo.
Entrevista com Fábio Assunção
A.G.: O Elias ele é um rei no seu castelo, o Motel Destino. Ele tem lá sua princesa Dayana. E ele tem seu mundo chacoalhado com a chegada do Heraldo. Eu enxergo a dinâmica entre os três como, de certa forma, u rei no castelo, que tem ao mesmo tempo um fascínio por essa terceira figura que chega, mas, ao mesmo tempo, se sente ameaçado. Eu gostaria que você comentasse um pouco sobre essa vulnerabilidade do seu personagem, de como ele lida em cena, principalmente na questão da dança. Quando vocês três estão dançando na piscina, eu vejo que tem um jogo de corpos que, de certa forma, o seu personagem nessa dança, nessa dinâmica ele está um pouco distante dessa dinâmica dentro dessa nova configuração de casal.
F.A.: É uma análise interessante, sim, é. Tem várias. Eu não vejo ele como um rei. Assim, eu vejo ele como uma figura muito fragilizada, solitária, né. Ele pode tentar ser essa personagem. Mas ele não consegue. Porque senão ele não seria abusivo, ele não exerceria poder, né. Se ele tivesse poder, ele não precisaria exercer esse poder através de ameaças e tudo mais. E eu acho que a cena da dança é uma cena que ele começa a sacar isso que você tava falando de que ele é diferente, né. Como os dois tem muito mais… a Nataly (Dayana) e o Iago (Heraldo) tem muito mais um jogo que ele não tem. Mas eu acho que, sobretudo, é um filme sobre essa dureza de vida. Eles têm uma vida muito dura porque eles vivem num lugar de confinamento. Os três. É uma vida que não é saudável emocionalmente. É um lugar que por muitos é usado… o motel, por muitos é usado de uma forma criminosa, escondida, proibida, clandestina. Ele vive nesse contexto, né, que ele humilha. Esse cara não é… não é rei. Ele pode achar que é. Mas ele não é.
A.G.: Ele se enxerga como aquela figura, né. É como um castelo de cartas, o motel, frágil. E eu vejo muito imaginando como se fosse um leão, mas ele já um leão… vou entrar nessa questão de um leão velho… e chega um novo, com um novo rugido, que vai tomando o espaço dele. E, eu sinto durante o filme, que existe um fascínio. Existe… tem o erotismo da dinâmica dos três. Mas existe um fascínio e que, de certa forma, ele quer ser o Heraldo. Em alguns momentos, você concorda com isso? Porque ele precisa exercer o poder sobre o outro. Ele precisa botar o poder da figura dele como dono, a questão financeira…, mas ele não tem mais nada além disso a oferecer. Os sonhos vêm do Heraldo. A novidade é o Heraldo. Então eu gostaria que você comentasse a respeito dessa questão do fascínio dele com o outro.
F.A.: Eu acho que ele não se sente amado por aquela mulher, a mulher dele. Acho que isso traz uma fúria nele. Isso faz com que ele busque esse exercício de crueldade. Não acho que ele queria ser o Heraldo, não. Acho que… porque a gente olha pro filme como uma história de traição dela em relação a minha personagem. Mas, acho que ali é uma deslealdade que ele não esperava que o Heraldo tivesse para com ele. Essa lealdade não acontece.
A.G.: Você diz dentro de uma ethos masculina?
F.A.: Dentro da métrica da minha personagem. O que fere ele é o que ele considera uma deslealdade. Não uma traição da Dayana. Eu acho que é bem complexo. O filme, ele é muito profundo. Assim, sabe, ele é muito profundo. Mas o que a gente tá falando aqui são pontos de vista em relação ao filme. E acho que tudo isso é válido. Tudo que você trouxe e tudo que eu tô falando aqui são peças, são leituras possíveis.
JORNALISTA E PUBLICITÁRIO. Cresceu no ambiente da videolocadora de bairro, onde teve seu primeiro emprego. Ávido colecionador de mídia física, reune mais de 2 mil títulos na sua coleção. Já participou de produções audiovisuais independentes, na captura de som e na produção de trilha musical. Hoje, escreve críticas de filmes pro site do Cinema com Crítica e é responsável pela editoração das apostilas do Clube do Crítico.