“Desculpa de gaijin”
Apesar de não tão expressiva quanto em São Paulo, a comunidade asiática no Rio de Janeiro é bastante presente. Alguns de seus membros são recém-chegados, em busca de oportunidade, outros já fazem parte da 3ª ou 4ª geração de sua família em terras tupiniquins. Mas, ainda que a imigração japonesa já tenha mais de cem anos, e que o Brasil possua a maior população de descendentes de japoneses fora do Japão, esses ainda se encontram em um eterno “entrelugares”. Porque, muitas vezes, não são reconhecidos enquanto brasileiros devido a predominância de seus traços. Ou então experimentam suas ancestralidades serem desrespeitadas por termos genéricos como “china” ou “japa”. Se chineses e japoneses são confundidos apesar das inúmeras diferenças (sem contar os subgrupos existentes dentro da mesma nação), coreanos, filipinos, vietnamitas e outras tantas nacionalidades são simplesmente obliteradas pela ignorância alheia.
Amarela traz um pouco dessa experiência pela perspectiva de Erika, uma brasileira descendente de japoneses, que tenta vivenciar a copa de 98 torcendo pela seleção canarinho na final contra a França. A adolescente vive o dilema de ser japonesa demais para ser brasileira e brasileira demais para ser japonesa. Para sua família, querer prestigiar a equipe brasileira nesse evento mundial é apenas uma desculpa de gaijin (estrangeiro / forasteiro) para não cumprir com seus afazeres. Para seus colegas, sua presença é tal qual a de um inimigo infiltrado, agourando o desempenho do time brasileiro, ainda que demonstre mais conhecimento no assunto que esses que a confrontam.
A sensação de ser um estrangeiro no próprio país experimentada por Erika esbarra em diferentes aspectos do racismo e da xenofobia. Se o estopim da briga traz uma violência mais direta, recebendo um “cartão vermelho” do Brasil por outro adolescente, ao longo da narrativa outras micro agressões são cometidas. No que diz respeito ao racismo recreativo, ela é comparada à Chun-li, personagem de nacionalidade chinesa da franquia Street Fighter. No metrô, um jovem desconhecido, na tentativa de fazer um elogio, se refere às mulheres asiáticas como “exóticas” – Como se, além do sentimento de não pertencimento, ainda tivessem que lidar com a desumanização provocada por um fetiche.
Se em 15 minutos, Amarela consegue pincelar tantas discussões de maneira sútil, o faz muito além das palavras. O diretor traduz em imagens desde a inquietação reflexiva até uma explosão de acúmulos. Para além da sensorialidade, ele também oferece aos espectadores a autenticidade de um lar nipo-brasileiro. Tanto pelas interações entre os familiares, quanto pela riqueza de detalhes no design de produção.
O cinema é uma arte cuja experiência é individual e ao mesmo tempo coletiva. Durante a exibição, tive o privilégio de me sentar próximo aos convidados do diretor e observar suas reações nos momentos de maior enfrentamento da protagonista. Foi emocionante contemplá-los se sensibilizando enquanto enxergam dramas provavelmente já vivenciados. No fim, o curta de André Hayato Saito me lembra que apesar de gaijin, sempre posso escolher não ser alheio.
JORNALISTA E PUBLICITÁRIO. Cresceu no ambiente da videolocadora de bairro, onde teve seu primeiro emprego. Ávido colecionador de mídia física, reune mais de 2 mil títulos na sua coleção. Já participou de produções audiovisuais independentes, na captura de som e na produção de trilha musical. Hoje, escreve críticas de filmes pro site do Cinema com Crítica e é responsável pela editoração das apostilas do Clube do Crítico.