“Quando os irmãos Coen também amam Reginaldo Rossi”
As tensões de morte parecem ser o combustível para as ações dos homens. Eu não me excluo disso. Atire a primeira pedra quem nunca partiu, ou pensou em partir pra violência – mas se resolver atirar, fique sabendo que já se converteu ao Clube. Aqui tenho lugar de fala. Cria do Rio de Janeiro, estressado por natureza… sim, já me meti em briga… não me orgulho. Mas direcionar minhas energias para algo realmente produtivo e necessário, ao invés de ter reações automáticas, é um tema recorrente das minhas sessões de terapia. A discussão escalona para briga; a briga escalona para morte; a morte escalona para guerra, que escalona para mais mortes. Eis aqui o ciclo de violência que, na real, todo homem conhece…, mas geralmente perpetua. Afinal, “homem não chora”. Quem disse que o patriarcado nunca dá tiro pela culatra?
É quando um carro dá uma fechada em outro e dois homens começam a se digladiar em plena rua, que vemos o cerne de Oeste Outra Vez: homem fazendo homice. Após esse momento um tanto exclamativo logo no início do filme, percebemos que o motivo da briga é o amor de uma mulher: aquela que deixa o carro e segue caminhando calmamente em direção ao horizonte – A única participação feminina no longa, e não poderia ser mais perfeita! Os dois homens em conflito são Durval (Babu Santana), o atual marido, e Totó (Ângelo Antônio), o ex inconformado. A situação entre ambos é insustentável a tal ponto que estão dispostos a ir às últimas consequências. Totó recorre a Jerominho (Rodger Rogério), um ex-jagunço, para dar fim ao seu nêmesis, que também recorre a uma dupla de matadores de aluguel para dar conta de seu desafeto.
O cenário da Chapada dos Veadeiros, em Goiás, se torna uma Tombstone, Yuma ou Dodge City cabocla. A aspereza do ambiente é um reflexo da aspereza daqueles homens. A carência de cuidado, conforto e até higiene são parte dessa estética que acaba servindo de artifício para o diretor Erico Rassi lidar com o baixo orçamento disponível. O velho fogão a gás que funciona a base de lenha, a poeira que gruda na roupa e se mistura ao suor e a cachaça bebida sequencialmente, apenas com sal e limão, inebriam os sentidos dos espectadores. Esses elementos complementam na composição desse arquétipo do homem rústico, com o rosto marcado e mãos calejadas. Poderíamos atribuir o estoicismo a esses indivíduos, mas ser estoico implica em ser resiliente e aceitar aquilo que não pode controlar.
Em Oeste Outra Vez, resilientes é tudo aquilo que aqueles homens não são. É exatamente o não lidar com suas desilusões amorosas que costura os núcleos do filme. A falta de comunicabilidade que persiste entre eles é um sintoma da incapacidade de lidar com seus sentimentos. O filme recorre aos longos espaços entre as falas durante os diálogos como um recorte de humor ácido dessa inabilidade coletiva. Apenas o personagem de Pitanga parece conseguir converter em palavras a dor da perda da mulher amada, e o faz até de forma poética. Infelizmente é revelado ser uma farsa, em que o mesmo compartilha da experiência da cornologia que Tim Maia também – e tão bem – dominava. O humor tragicômico se mostra presente também através do desenrolar de verdades e consequências. É como se os irmãos Coen tivessem colocado suas mãos sobre o roteiro, mas substituindo como tema fundamental a ganância pelo ciúme – E querer se apossar do outro independente de sua vontade também não é uma espécie de ganância? Mas, no que diz respeito a esse humor um tanto sádico, é nas suas investidas em uma mesma fórmula para arrancar risadas do público que acaba perdendo sua força. Se torna previsível as punch lines após os hiatos silenciosos.
A comicidade de Oeste Outra Vez recupera sua potência no revelar da pequenez desses homens. Toda a tensão que se constrói no primeiro terço do filme vai se esvaziando conforme aqueles personagens não conseguem sustentar suas cascas. Pistoleiros profissionais que não acertam tiro, decisões finais que não são tão concretas quanto parecem e tantas outras pequenezes são escancaradas. No fim, todos se igualam: homens tolos, débeis, covardes, fracos, inúteis, bêbados e sem rumo, sob o mesmo choro de corno tocado no jukebox. A escolha das músicas foi certeira. E, como gaitista que sou, não posso deixar de destacar o country blues que o filme se abraça durante a trilha musical.
Oeste Outra Vez recebeu os Kikitos de Melhor Filme, Melhor Fotografia e Melhor Ator Coadjuvante (Rodger Rogério), no 52º Festival de Cinema de Gramado. Esse texto foi escrito após a exibição do longa na Mostra Vertentes do 18º Festival Internacional de Cinema de Belo Horizonte – Cine BH.
JORNALISTA E PUBLICITÁRIO. Cresceu no ambiente da videolocadora de bairro, onde teve seu primeiro emprego. Ávido colecionador de mídia física, reune mais de 2 mil títulos na sua coleção. Já participou de produções audiovisuais independentes, na captura de som e na produção de trilha musical. Hoje, escreve críticas de filmes pro site do Cinema com Crítica e é responsável pela editoração das apostilas do Clube do Crítico.