A minha geração cresceu com a imagem de Rocky Balboa como um referencial de superação no esporte, apesar de ser um personagem fictício. As várias reprises de qualquer um dos filmes da franquia me convidavam a ficar diante da tela hipnotizado pelas lutas e pela trajetória do boxeador diante de seus desafios. Com o fenômeno da UFC, outras modalidades de luta se tornaram ainda mais populares. E a mescla dessas diferentes artes marciais deram origem ao MMA (Mixed Martial Arts).
O filme protagonizado por Marcos Mion traz um novo significado para a sigla. MMA – Meu Melhor Amigo conta a história de Max (Marcos Mion), um lutador que se vê diante do declínio de sua carreira após uma lesão no ombro e que descobre ser pai de Bruno (Guilherme Tavares), um menino autista.
Como falei no primeiro parágrafo, cresci assistindo aos filmes do Rocky. E com isso, pude sentir que o personagem de Stallone também foi uma inspiração para o filme. São diversos elementos que trazem essa referência nostálgica para MMA – Meu Melhor Amigo: A fotografia das cenas de luta (desde as técnicas de iluminação e os planos escolhidos) e o treinamento com direito a trilha musical que aponta para a clássica Eye of Tiger. A entrega física de Mion para dar vida a Max Machadada é um ponto a ser enaltecido.

Mas para aqueles que imaginam que este é um filme de arte marcial, ledo engano. Existe conflito. Mas esse se concentra mais na luta de Max em desenvolver sua paternidade tardia. O longa traz uma jornada do herói clássica em uma narrativa sobre amadurecimento. O ator, que também assina o roteiro, traz um pouco de sua vivência pessoal (seu filho primogênito, Romeu, que está no espectro autista). MMA – Meu Melhor Amigo traz também um conflito geracional. Pois enquanto aprende a ser pai, Max também se vê obrigado a aprender a ser filho. O lutador de artes marciais mistas possui rusgas com seu pai, um boxeador veterano interpretado por Antônio Fagundes (que nos entrega as melhores linhas de diálogo do filme!). Com a dinâmica entre ambos, podemos enxergar um conflito geracional onde o boxe carrega os valores tradicionais do esporte, enquanto o MMA traz o frescor da novidade.
O filme faz apontamentos sobre a masculinidade tóxica. Para além do aborto paternal ou a dificuldade em assumir responsabilidades, o longa pincela outros comportamentos questionáveis como o descontrole da raiva e o descompromisso nas relações afetivas. Entretanto, opta por escolhas problemáticas, como resoluções que se despertam na cena seguinte ou quando condiciona o processo de aprendizado em cima de uma figura feminina. Laís Almeida (Andreia Horta), a mulher que possui a tutela de Bruno, era a melhor amiga da mãe do menino e quem procura Max para avisá-lo da existência de um filho do lutador. A personagem de Andréia Horta mais do que uma bússola moral para Max, acaba sendo atravessada para servir de bengala do protagonista. Até mesmo sua batalha pessoal acaba sendo instrumentalizada para o desenvolvimento de Max (neste momento, uma clara alusão à morte de Mick em Rocky 3).

O grande acerto de MMA -Meu Melhor Amigo está em aproximar o espectador da experiência de uma criança no espectro autista. Apesar de cada indivíduo possuir sua particularidade (não à toa é chamado de espectro), o filme consegue trazer à tela algumas das angústias sensoriais comumente enfrentadas por neurodivergentes que o público neurotípico não seria capaz de mensurar. O fato de Bruno não ser interpretado por uma criança com TEA (Transtorno do Espectro Autista) não diminui em nada a obra. Pelo contrário. Demonstra a sensibilidade em não gerar uma exposição prejudicial a um ambiente sensorialmente repleto de estímulos. Ainda assim, ele conta com a presença de dois lutadores neurodivergentes nos sets de filmagens – o que me foi revelado em entrevista pelo diretor José Alvarenga Jr. No mais, a interpretação do prodígio Guilherme Tavares é verossímil e cativante! Fica mais do que claro que em nenhum momento a direção busca uma leitura estereotipada ou que tendesse minimamente a uma caricatura.
MMA – Meu Melhor Amigo, apesar de colecionar alguns tropeços no desenvolvimento de seu roteiro, conta com acertos que trazem peso à obra. Para além da tela, ela torna-se um convite para o público conhecer de perto essas vivências e, no caso dos exibidores, da importância em oferecer ao público neurodivergente uma experiência cinematográfica positiva respeitando suas particularidades.

JORNALISTA E PUBLICITÁRIO. Cresceu no ambiente da videolocadora de bairro, onde teve seu primeiro emprego. Ávido colecionador de mídia física, reune mais de 3 mil títulos na sua coleção. Já participou de produções audiovisuais independentes, na captura de som e na produção de trilha musical. Hoje, escreve críticas de filmes pro site do Cinema com Crítica e é responsável pela editoração das apostilas do Clube do Crítico. Em 2025, criou seu perfil, Cria de Locadora, para comentar cinema em diversos formatos.