Com certeza, eu não pertenço a essa geração que está causando alvoroço nas salas de cinema. Não cresci jogando Minecraft — pra ser honesto, nunca sequer abri o jogo. Eu sou da era Mario e Sonic. Mas calma: eu entendo o entusiasmo. Quem leu meu texto sobre Super Mario Bros. talvez tenha rido (ou chorado) com um trintão tendo um revival emocionado da própria infância. Dito isso, por mais mágico que seja reviver seu jogo favorito como um filme, não justifica falta de noção coletiva. Mas esse texto é sobre o filme, não sobre a plateia — embora, convenhamos, às vezes seja difícil separar.
Um Filme Minecraft começa nos apresentando Steve (Jack Black), um adulto com uma obsessão desde a infância por mineração que, ao finalmente investir no próprio sonho, acaba descobrindo um par de artefatos que abrem um portal para o Overworld — um universo de blocos, criatividade e lógica cúbica. Além de conquistar a amizade de um lobo local (isso mesmo que você leu), Steve mostra-se um construtor nato, mas a farra dura pouco: ele abre sem querer um portal para o Nether, mundo hostil comandado por Malgosha, uma bruxa genérica (com pretensões de vilã séria) que lidera os Piglins — uma raça de porcos mal-encarados e beligerantes. Sim, aqui os porcos são os vilões e o lobo, curiosamente, é o aliado. O conto dos Três Porquinhos foi virado do avesso, pixel por pixel. Malgosha rouba o orbe mágico de Steve e tenta dominar o Overworld, mas o plano é frustrado pelo lobo de estimação do herói — que, obviamente, foge com o artefato direto pra nossa dimensão.
Os personagens de Black e Momoa são duas faces da mesma moeda. São adultos que nunca conseguiram amadurecer e, por isso, acabam sendo os verdadeiros protagonistas dessa growing up comedy disfarçada de filme infantil. Steve, o avatar de Jack Black, é um sonhador crônico: desde a infância obcecado por mineração, mas seu brilho nos olhos esconde uma fuga da realidade adulta. Garrison, por sua vez, é o narcisismo tóxico em versão fliperama: ex-campeão de arcade, decadente e egocêntrico, vive num teatro de si mesmo onde cada fala é um eco dos tempos de glória. Arrogante, machista e covarde, ele tenta reviver seus “anos dourados” enquanto foge de qualquer espelho que mostre quem ele virou.

O contraponto deles é Henry, que apesar da pouca idade demonstra-se mais equilibrado que os outros dois. Henry é o arquétipo de garoto deslocado de seu meio, alvo fácil de bullying e detentor de uma inesgotável criatividade para construir seus gadget. Apesar de suas invenções não serem bem-sucedidas no mundo real, sua genialidade se mostra um diferencial para a sobrevivência nos mundos paralelos.
Completando essa equipe improvável, temos Dawn e Natalie que por obra do destino, acabam se separando dos rapazes. Dawn e Natalie acabam provando que, sim, mulheres conseguem trabalhar em equipe — sem deixar os egos sabotarem a própria sobrevivência. Elas também carregam um comentário, ainda que pouco explorado, sobre o peso da responsabilidade e do trabalho (o que, inclusive, as aproxima da própria vilã). Dawn é uma mulher que se desdobra em vários empreendimentos, ainda que excêntricos. Natalie é a adolescente forçada a amadurecer cedo, assumindo para si o papel de mãe do próprio irmão. Elas são o oposto dos dois homens adultos — e quem realmente deveriam servir de espelho para Henry. Mas, infelizmente, são personagens mal aproveitadas, seja pelo raso desenvolvimento ou pela escassez de tempo em cena.

Apesar de nunca ter jogado Minecraft, acredito que a jogabilidade tenha sido incorporada bem ao filme. Para além dos vetores cúbicos que dominam a estética dos cenários, a maneira como os personagens interagem, desconstruindo e reconstruindo novas estruturas é divertido. A jogabilidade fica bem clara no checklist de “missões” e no avançar de terrenos, o que também traz um quê de Senhor dos Anéis ao filme – o que inclusive é sublinhado no texto, quando Dawn compara Henry a Frodo. A forja de ferramentas também traz um pouco do formato de RPG, condensando diferentes itens para dar origem a outros.
Um Filme Minecraft mistura besteirol e nonsense na cara dura pra arrancar risadas. Como já comentei, tem o Jack Black soltando a voz do nada, o Momoa encarnando uma espécie de vocalista de glam rock viciado em jogos de arcade… mas quem rouba a cena mesmo é uma ovelha rosa. Só não é mais bizarramente hilária que o romance paralelo entre Jennifer Coolidge e um aldeão que decide fugir da vila — o casal mais improvável que você vai se ver. Totalmente gratuito, deslocado e, por algum motivo, engraçado. Minecraft não tem pudor nenhum de mergulhar no ridículo em nome da comédia, mesmo quando repete piadas e recicla fórmulas.
O filme assume que é um filme infantil e sendo assim, modula o humor para seu público. Ele não se dispõe a se levar a sério ou querer ser mais profundo que o material original. Ele é honesto com o que se propõe a fazer. E recebe de braços abertos as crianças que vão se hipnotizar pelo visual e dinamismo, distribui seus fan services – só reconheci os apontados por terceiros na sala – e faz rir aqueles que chegam dispostos a se divertir com sua proposta.


JORNALISTA E PUBLICITÁRIO. Cresceu no ambiente da videolocadora de bairro, onde teve seu primeiro emprego. Ávido colecionador de mídia física, reune mais de 3 mil títulos na sua coleção. Já participou de produções audiovisuais independentes, na captura de som e na produção de trilha musical. Hoje, escreve críticas de filmes pro site do Cinema com Crítica e é responsável pela editoração das apostilas do Clube do Crítico. Em 2025, criou seu perfil, Cria de Locadora, para comentar cinema em diversos formatos.