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35ª Mostra de Cinema em São Paulo – Dia 1

Ansiedade e empolgação. O que mais que eu poderia afirmar após uma espera de meses para começo do Festival? Com quatro sessões, todas no Unibanco Artplex no shopping Frei Caneca, alguns pequenos atrasos (10-15 minuto), mas muita boa vontade de todo o corpo de Monitoria e Produção envolvida na Mostra, ganhei de brinde a inesperada visita de Camila Pitanga, de Marçal Aquino e de boa parte da produção de Eu Receberia as Piores Notícias dos seus Lindos Lábios; ela, bonita e simpática, e eu não poderia deixar de tietá-la, certo? 
Sem mais delongas, sobre os filmes do dia.
4) Eu Receberia as Piores Notícias dos seus Lindos Lábios (Idem, Brasil, 2011). Direção: Beto Brant, Renato Ciasca. Roteiro: Marçal Aquino, Beto Brant e Renato Ciasca, baseado no livro de Marçal Aquino. Elenco: Camila Pitanga, Gustavo Machado, Zé Carlos Machado, Gero Camilo, Adriano Barroso, Antonio Pitanga. Duração: 100 minutos.
A trilha sonora de Simone Sou e Alfredo Bello, desde os segundos iniciais, nos convida a um interior pobre do estado do Pará, cobiçado por madereiros sedentos por lucros, e envolto no romance proibido de Lavínia (Pitanga) e Cauby (Machado). O som do berimbau e a influência dos búzios e tambores determina com ar místico o envolvimento dele, fotógrafo, e dela, apaixonada por fotografia.
Mais do que conscientizar o público da tragédia ambiental que ocorre naquele estado, o que o torna oportuno e hodierno justamente graças aos debates do novo código florestal, Eu Receberia as Piores Notícias dos seus Lábios é um romance erótico, intenso e ousado, com toques políticos. Além disso, a adaptação também acrescenta o elemento religioso no fundamentalismo dos seguidores do pastor Ernani (Zé Carlos), exposto na intensidade da mensagem apresentada pelo pastor carregada de um comunicação gestual hipnotizante.

Mas, é Camila Pitanga o grande segredo do sucesso deste filme. Especialmente bela e desinibida, as longas cenas de sexo são essenciais para ilustrar a paixão por Cauby (e, claro, por Ernani). Evitando que a lascívia e a volúpia corrompam excessivamente sua personagem, Pitanga encontra-se dividida no desejo e no sentimento de culpa e vergonha, e o longo flashback introduzido no meio da narrativa é importante para conferir um arrependimento no coração do público que via com bons olhos a sua química com Cauby.

A direção de Beto Brant impressiona particularmente em dois momentos: um exorcismo (ou conversão, o que depende de seu ponto de vista religioso), em uma tomada sem auxílio da truncagem ou outros efeitos, no qual Ernani afasta a prostituição e o vício de Lavínia; e outro, no terceito ato, quando é apresentado em um elegante travelling, um personagem que escutara uma revelação importante.

Fotografado com beleza e plasticidade por Lula Araújo, especialmente no céu alaranjado que povoa um belo beijo no rio, tenho ressalvas ao longo epílogo, especialmente no excessiva montagem em fades de Willem Dias que, usada uniformemente ao longo da narrativa e sem o porquê de ser, dá a impressão a cada novo fade out do “Acabou?”.

No todo, porém, é um pequeno defeito que arranha, mas não estraga este ótimo e intenso romance.

3) Fort McCoy (Idem, Estados Unidos, 2011). Direção: Kate Connor, Michael Worth. Roteiro: Kate Connor. Elenco: Eric Stolz, Kate Connor, Lindsy Fonseca, Andy Hirsch, Seymour Cassel. Duração: 100 minutos.
O Forte McCoy era uma base militar e campo de prisioneiros da 2ª Guerra Mundial para onde a família do barbeiro Frank Stirn (Eric Stolz) é enviada para servir. Baseado em fatos reais vividos pela avó da co-diretora, roteirista e atriz Kate Connor, este é um drama que extraí sua força justamente da rotina e ar corriqueiro do dia-a-dia do forte, porém, curiosamente, este também é o seu calcanhar de Aquiles. Ao não oferecer um eixo narrativo central, contextualizando a vida de todos de maneira uniforme, a narrativa acaba parecendo causuística e episódica demais para provocar grandes suspiros. Assim, se a jovem Gertie vive uma amizade com um pequeno prisioneiro de guerra aos moldes de O Menino do Pijama Listrado, a sua tia Annie (Fonseca) apaixona-se por Sam (Hirsch), um jovem judeu egresso da guerra e constantemente aterrorizado pelo horror que testemunhou.
Kate Connor, no entanto, estabelece uma boa dinâmica da família Stirn, especialmente ao imergir naquele que é o mais rico personagem da narrativa, o patriarca Frank. Filho de alemães, ruivo e incapaz de lutar na guerra graças a um problema cardíaco, Frank é um peixe fora d’água no forte, e mais do que isso, desejaria  ter lutado na guerra para evitar as chacotas de outros combatentes, a justificativa necessária para uma briga no terceiro ato. Gertie também tem um potencial dramático latente, graças a um ato de indizível crueldade que testemunharia eventualmente. Logo, é triste que o vilão da narrativa seja tão maniqueísta, trajando seu uniforme nazista quase como o engraçado padre (Cassel) traja sua batina.

Derrapando no pieguismo da trilha sonora de Dana Niu e no patriotismo exagerado, mitigado justamente na figura de Frank, existe inclusive espaço para os últimos pedidos de um soldado no campo de batalha, o que é estranho em uma produção de guerra atual. Por outro lado, a diretora não evita de humanizar a todos na produção, desde uma viúva de guerra a um japonês cujo último desejo é morrer com honra.

Graças a este último elemento, Fort McCoy é um drama aceitável e incrivelmente humanista, apesar de incontestavelmente datado.

2) Small Town Murder Songs (Idem, Canadá, 2010). Direção: Ed Gass-Donnelly. Roteiro: Ed Gass-Donnelly. Elenco: Peter Stormare, Jill Hennessy, Stephen Eric McIntyre, Aaron Poole. Duração: 75 minutos.

Uma lembrança, um desejo nascendo dentro do seu coração ou a inevitabilidade de uma explosão de violência inominada? Mais do que a resolução do assassinato de uma jovem, Small Town Murder Songs, é um estudo de personagem que poderia muito bem perfazer o portfólio de personagens célebres dos irmãos Coen. A influência da dupla de cineastas, aliás, é inconfundível na direção, fotografia e montagem desta narrativa e, apesar do roteiro não fazer jus ao trabalho de Ed Gass-Donnelly, é suficientemente interessante para preencher pouco mais de 1 hora e 10 minutos de projeção.

Walter (Stormare) é um xerife antiquado na maneira de se vestir, no corte de cabelo ou no proeminente bigode. É um caipira, alguém cuja existência é tão rápida quanto os hinos que tocam nas paróquias da pequena cidade de Greyfork. Recém batizado, e aparentemente amansado, Walter também não superou o abandono de Rita (Hennessy), que o trocou por Steve (McIntyre). Assim, ele basicamente assume a estirpe do homem que esperamos a qualquer momento uma explosão da raiva contida e guardada dentro de si, e portanto, a pergunta nas primeiras linhas permanece constante durante quase toda a duração deste longa.

O roteiro de Gass-Donnelly consegue desconstruir Walter, mas é incapaz de transformar sua alegoria religiosa, e vocês entenderão o porquê disto, em algo além do banal. Claramente um exemplar que merecia um desenvolvimento melhor, os 75 minutos são escassos para os interessantes habitantes daquela cidade, e eu adoraria conhecer os dramas familiares de Jim (Poole) ou o relacionamento de Walter e Sam (Martha Plimpton), para citar apenas alguns.

A direção de Gass-Donnelly é muito boa e a sua predileção por planos médios e estáticos parece traduzir o apriosionamento de Walter na sua própria vida. Fotografado com uma paleta de cores azulada de Brendan Stacey e protagonizado por um excepcional Peter Stormare (finalmente, ele me provou que realmente é um ator subestimado em papéis menores), eu gostei, talvez por amar os irmãos Coen, talvez por ser realmente um bom (e desperdiçado) filme.

1) Belleville-Tóquio (Belleville-Tokyo, 2010, França). Direção: Élise Girard. Roteiro: Isabelle Pandazopoulos, Élise Girard. Elenco: Valérie Donzelli, Jérémie Elkaïm, Philippe Nahon. Duração: 72 minutos.

O naturalismo escolhido pela diretora Élise Girard para abordar o cotidiano de um casal que esqueceu as razões de permanecerem juntos – cumplicidade, carinho, amor e paixão -, lidando com a instabilidade e o descontentamento da união, é um retrato realista, mas pouco original, especialmente se contextualizado como tema recorrente do cinema francês. Portanto, apesar de expor sinceramente os conflitos e rachaduras no romance de Marie (Donzelli) e Julien (Elkaim), Belleville-Tóquio não é uma satisfatória experiência cinematográfica e não trás absolutamente nada de novo a um gênero exaustivamente explorado em filmes melhores.

O título do longa expõe a sutileza no entendimento daquele evento que é a gota d’água para afastar Marie e Julien. Ela, grávida, trabalha em um cinema de filmes antigos e parece repetir o retrato de mulher traída, irônica, amarga e desagradável que nem a presença espirituosa dos chefes, Jean-Jacques e Jean-Loup, consegue quebrar. Ele, não sabe realmente o que quer, e amar e sentir pena confundem-se em um misto de repulsa e carinho. Tudo muito francês (no pior estilo), e nem mesmo as ações dos amigos parecem ajudam a reconciliar o casal, estimulando-os ao canibalismo mútuo.

A direção de Élise Girard tem momentos inspirados, como no primeiro “Eu te amo” de Julien, abafado pelo som de chegada do trem à estação. Ela também tem um bom olhar para a composição de quadros, como naquele em que Julien acua e cerca a esposa graças a sua presença refletida no espelho detrás de Marie, e finalmente, aquele que ilustra o casal caminhando em direções opostas ao serem enxergados através de uma vitrina.

Pena que Élise Girard não consegue superar o tom pessimista de que a traição é intrínseca na raça humana, e o faz ainda por cima de maneira desinteressante e simplesmente entediante, comprometendo uma narrativa de pouco mais de 70 minutos. Um desagradável começo para a minha Mostra.

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