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35ª Mostra de Cinema em São Paulo – Dia 4

16) O Garoto da Bicicleta (Le Gamin au Vélo, Bélgica/França/Itália, 2011). Direção: Jean-Luc Dardenne, Luc Dardenne. Roteiro: Jean-Pierre Dardenne, Luc Dardenne. Elenco: Thomas Doret, Cécile de France, Jérémie Renier. Duração: 87 minutos.

Cyril (Doret) é um garoto de 12 anos desesperado por reencontrar seu pai que o abandonou em um internato sem o apropriado adeus. Assim, durante 15 minutos de O Garoto da Bicicleta, Cyril frustradamente tenta de toda maneira encontrar o seu pai, e reaver a sua bicicleta, o último laço concreto que compartilha com ele. Todavia, ele literalmente esbarra em Samantha (de France), uma cabelereira que, ao conseguir recuperar a bicicleta do garoto, acaba tornando-se a sua guardiã aos finais de semana.
De maneira crua e reduzindo o campo de interação para um pequeno e intimista universo, os irmãos Dardenne desenvolvem uma espécie de Biutiful infantil com algumas pinceladas de Pinóquio. Se por um lado a estrada de Cyril é triste e dolorida, e pessoalmente, jamais conseguiria imaginar uma criança sendo descartada tão explicitamente, por outro, a busca para se tornar um garoto de verdade como a criação de Gepetto encontra reflexo imediato na desesperada procura de uma figura paterna. Acaba sendo curioso que assim como em Pinóquio, Cyril não faz aquilo que diria que ia fazer a Samatha (jogar futebol na praça), ao invés, é seduzido por um delinquente obviamente ao realizar que poderia ter encontrado nele o pai que buscara.
Pontualmente, os Dardenne acrescentam elementos na personalidade de Cyril e de Samantha, fundamentais haja vista a simplicidade da narrativa. A obstinação do garoto em proteger a sua bicicleta supera a simples posse e atinge o simbolismo da representação do único fiapo decente de memória que Cyril tem de momento mais felizes, com o seu pai canalha (Jérémie Renier). Aliás, é melancólico como o garoto, apenas por alguns segundos da companhia do crápula, pede para mexer as colheres dos molhos no restaurante onde trabalha. Samantha, por sua vez, é uma mulher solitária e, apesar de nunca mencionado na narrativa, não é difícil encontrar vestígios de que ela também pode ter perdido alguém, sobretudo na dedicação incondicional a Cyril.
Bela e adorável, Cécile de France é uma das atrizes francesas de que mais gosto (considero inesquecível seu papel em Um Lugar na Platéia), e apesar de derrapar em um momento de choro que soa vazio e artificial, ela consegue equilibrar o tom materno e o de guardiã, evitando as ações exasperadas de uma mãe disciplinadora e agindo de maneira ponderada apesar de não abdicar da responsabilidade.

Do outro lado, o jovem Thomas Doret é um daqueles achados preciosos de casting. Longe de ser um rapazinho bonitinho e engraçadinho, ele impressiona pela garra e afinco dedicado ao papel, apresentando-se com feições adultas praticamente escondidas sob uma tonelada de esperanças e sonhos. Além disso, observá-lo constantemente machucado, mordendo os adversários em uma briga e revelando inadequações sociais do abandono consistem em momentos de extrema dureza por refletirem exatamente a realidade (a especialidade dos irmãos Dardenne).

Encontrando espaço para alfinetar o cinema 3D, ressalvo a conclusão, pois os Dardenne poderiam ter encerrado o filme em dois momentos anteriores e narrativamente mais importantes: um, que acompanha o jovem pedalando a sua bicicleta em um longo plano que serviria de catarse emocional para um ato praticado; outro, que envolve uma bicicleta no chão, um saco de carvão e um bosque.

Mas, mesmo quando não são exatamente precisos, os irmãos Dardenne são cineastas formidáveis.

15) O Palhaço (Idem, Brasil, 2011). Direção: Selton Mello. Roteiro: Selton Mello, Marcelo Vindicatto. Elenco: Paulo José, Selton Mello, Larissa Manoela, Giselle Motta, Teuda Bara, Moacyr Franco. Duração: 90 minutos.
O circo traz à memória sentimentos bonitos, a inocência de uma criança, os sonhos que viram realidade, os sorrisos puros e ingênuos de adultos e jovens. É um espaço mágico que o diretor, roteirista, montador e ator Selton Mellon conseguiu reproduzir com exatidão em O Palhaço. Batizado de Circo Esperança, um nome deveras apropriado, a trupe itinerante de circenses atravessa o estado de Minas Gerais com seus automóveis velhos, o cansaço e o suor no rosto e um desejo apenas de divertir.
Nesse panorama, cortadores de cana, em um belíssimo e inesquecível plano, observam a chegada do Circo Esperança à sua cidade. Eles sequer imaginam que detrás da fachada descontraída e na atuação exibida no picadeiro, existe um sentimento de tristeza inominado, sobretudo envolvendo o palhaço Pangaré (Mello). Muito se deve a ausência de identidade e a falta de um lugar para chamar de seu, registrado na necessidade de Pangaré de conseguir o seu “RG, CPF e comprovante de residência”; também se deve às responsabilidades que caíram no seu seu colo, herdeiro do circo do pai, o palhaço Puro Sangue (Paulo José, fantástico), e vocacionado para seguir o seu legado.
Assim, o ventilador nasce como objeto de desejo de Pangaré, sempre iluminando discretamente a ótima, nostálgica e calorosa fotografia de Adrian Teijido. Mais do que uma metáfora das coisas que Pangaré é incapaz de alcançar estando no circo, o ventilador é o status quo necessário para que a realidade daquela vida seja mais amena. E é comovente quando Pangaré afirma “eu faço o povo inteiro rir, mas quem vai me fazer rir?”, especialmente porque longe de ter lágrimas nos olhos, e apenas a habitual timidez e retração, a confissão parece ter um peso muito maior no coração daquele homem.
Estabelecendo a cumplicidade dos integrantes da trupe ao redor de uma fogueira, é interessante observar como eles formam uma família muito além dos laços de sangue que porventura existam, como a pequenina Guilhermina (Manoela), nascida no meio daquela gente, e um elo tão importante quanto Pangaré para o público, afinal de contas, ela quem representa o olhar inocente e sem máculas que todos nós dirigimos ao circo quando este chega à cidade.
Além de emocionante e magicamente dramático, Selton Mello tem um olhar fantástico para composição e a montagem de quadros. No jantar do prefeito, os cortes secos de planos médios colocam a trupe do lado da platéia e ajudam a construir um humor despretensioso, como no quadro da cabra. De maneira igualmente elegante, quando presos por enterrar um suposto cadáver (piada interna, literalmente), os circenses parecem espremidos no banco da delegacia, enquanto o delegado Justo (a especialíssima participação de Moacyr Franco) começa um hilário monólogo envolvendo um jantar, a queda de pêlos do seu gato e sua alegria de estar ali.
Mostrando-se um diretor genial, Selton Mello também compõe planos gêmeos que não apenas criam rimas temáticas importantes como ressaltam o comprometimento e dedicação de Pangaré. Tome, por exemplo, os momentos em que ele se coloca diante do espelho para se vestir para o seu ofício. Ou, divirta-se com a ironia narrativa na loja de eletrodomésticos e a venda de ventiladores por prestação.
Outrossim, o elenco de O Palhaço é diversificado e rico. Nas participações especiais de Tônico Pereira (os irmãos papagaio), de Danton Mello e do mencionado Moacyr Franco, como naqueles que compõem a trupe circense: Selton Mello com um charme tímido e recatado, Paulo José e as marcas do cansaço de anos na estrada, Giselle Motta, igualmente traiçoeira e sedutora no picadeiro, Álamo Facó e Hossen Minussi, Thogun, Renato Macedo, dentre outros. Mas, é mesmo Larissa Manoela o destaque do filme: graciosa, bela e com um sorriso inocente e alegre, ela é apenas uma criança, começando a ver que o circo pode não ser tão mágico como imaginara, mas que receberá uma recompensa linda e inesquecível.
Que vem com um belo plano sequência, despedindo-se daquele mundo de felicidade e esperança, a confirmação de que Selton Mello é um dos nomes mais talentosos do cinema brasileiro, em uma viagem que jamais recusaria de realizar novamente.
14) As Neves do Kilimanjaro (Les Neiges du Kilimdjaro, França, 2011). Direção: Robert Guédiguian. Roteiro: Robert Guédiguian, Jean-Louis Milesi. Elenco: Ariane Ascaride, Jean-Pierre Darroussin, Gérard Meylan, Maryline Canto, Grégoire Leprince-Ringuet. Duração: 107 minutos.
As Neves do Kilimanjaro não tem qualquer relação com o filme de 1952 com Gregory Peck e Susan Hayward. Dito isto, o novo trabalho do diretor Robert Guédiguian é uma obra escancaradamente moralista e ligeiramente falsa, exigindo recorrer ao que há de melhor no ser humano: o perdão, a bondade, o sacrifício. Atributos que, infelizmente, substituímos pela vingança, maldade e crueldade. Justamente por envolver temas tão belos que a adaptação livre do poema de Victor Hugo funcione tão satisfatoriamente bem, apesar de evidentemente maniqueísta e piegas.
Michel (Darroussin) é um sindicalista que devido a cortes e a crise econômica, deve dispensar cerca de 20 funcionários, dentre os quais seu nome está na lista dos sorteados. Aspirando os passos do líder socialista Jean Jaurès e comparado ao Homem-Aranha, Michel é inequivocamente bom e tem a recompensa deste estilo de vida na figura da simples e carinhosa esposa Marie-Claire (Ascaride, excepcional), do amigo Raoul (Meylan) e a esposa Denise (Canto), da família e dos antigos companheiros das docas que o admiram. No aniversário de 30 anos de união, Michel e Marie-Claire ganham uma viagem dos amigos para a Tanzânia além de economias para gastar na viagem. Cientes disso, dois ladrões invadem a casa de Michel, roubam o presente além de deixar cicatrizes profundas na alma de Michel, Marie-Claire, Raoul e Denise.
Um dos ladrões é Christopher (Ringuet), o décimo-oitavo sorteado na demissão que, incapaz de prover para os irmãos mais novos, acaba recorrendo ao assalto como último recurso, sendo preso, fruto de uma coincidência. Nesse momento, Guédiguian está mais interessado na responsabilidade social de nós perante os outros mais necessitados – daí o porque da menção ao Manifesto do Partido Comunista ou a Jaurès – do que nas consequências do roubo propriamente dito. Pois, se no primeiro momento é compreensível o sentimento de indignação pela violência que cometeu, essencial é a racionalidade com que Michel começa a rever sua posição, inclusive optando por retirar as queixas.
Para isso, Guédiguian recorre à simples observação das condições de vida miseráveis de dois garotos (os pobres, do poema de Victor Hugo), danos colaterais da demissão em massa e da ação de Christopher. Suavizando a narrativa com um bem vindo senso de humor, especialmente em uma ligação durante um jogo de futebol ou no reconhecimento de um safari nas praias de Marselha, é verdade que As Neves de Kilimanjaro está flutuando muito além do solo e da realidade. É um fábula, de certa maneira, contada com ótimas atuações, uma importante dinâmica familiar e apostando demais na bondade nata do ser humano.
As vezes, isso é justamente a brisa que precisávamos! Ou, a viagem que sonhávamos.
13) Oslo, 31 de Agosto (Oslo, 31. august, Noruega, 2011). Direção: Joachim Trier. Roteiro: Joachim Trier, Eskil Vogt. Elenco: Anders Danielsen Lie, Malin Crépin, Aksel M. Thanke. Duração: 96 minutos).
Joachim Trier, conforme observado em algumas pesquisas, um parente distante de Lars von Trier, tem em Oslo, 31 de Agosto a oportunidade de acompanhar um dia na vida de um ex-viciado, que tira um dia livre de uma instituição de reabilitação no interior da Noruega. Esse é Anders (Lie), jovem de classe média alta, talentoso e inteligente que se deparou com um vazio insuperável na sua vida, tornando-o incapaz de encontrar abrigo no colo das pessoas que o ama, de reconhecer as janelas que se abrem na sua vida em detrimento das portas fechadas e de ter a paz necessária para se reconciliar com o seu passado e as pessoas que decepcionou.
É muito para Anders, o que justifica não apenas a tentativa de suicídio dos primeiros minutos, mas sobretudo o quadro que retrata a demolição de um prédio como se aquele fosse a própria vida do rapaz. Digerindo a sua atual situação em dois belos momentos em que recorda os ensinamentos dos pais, na ânsia de encontrar uma espécie de rosebud nas memórias saudosistas, Anders está sufocado na melancolia que como o mesmo afirma, é muito melhor do que nostalgia.
Porém, Anders preserva uma faceta egoísta, ignorando que todos aqueles que visita neste dia também têm problemas. Primeiramente, um amigo desencantado com a vida de casado e por ter abdicado dos anos de solteiro; em outro momento, Anders, observador e atencioso a tudo ao seu redor, registra as vozes em uma lanchonete, cada qual apontando aflições e angústias nas suas vidas, e assim como as escuta, ele tampa os ouvidos no momento em que fecha a porta detrás de si, o catalisador do recomeço de uma estrada que já havia traçado anteriormente.
O diretor Joachim Trier registra o declínio de Anders com um interesse documental, identificando as menores mudanças na expressão do rapaz e as sutilezas que inebriam os seus relacionamentos. Por sua vez, a fotografia de Jakob Ihre aproveita-se da natureza da narrativa para, na medida em que o dia estiver caminhando para o seu fim, abandonar os feixes de luz, os símbolos da esperança na recuperação, e investir em sombras e um tom condizente com a personalidade de Anders.
E, a trilha sonora de consegue traduzir na escolha das cações e baladas, a personalidade de Anders em determinado momento narrativo. Ao sair da instituição, acompanhamos a melodia de A-Ha, substituída em um momento de reflexão por composições de Händel e culminando no eletrônico de Daft Punk.
Dessa maneira, Oslo, 31 de Agosto não é apenas a jornada de um homem contra as drogas, apesar de vê-lo fumando ou ingerindo álcool provoca a preocupação do espectador e comprova a eficiência da narrativa; o trabalho de Joachim Trier é de acompanhar a incapacidade de um rapaz de perdoar a si mesmo e superar os erros do passado. Esta sim, uma história de alcance amplo e, infelizmente, pessimista.

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