Mas, o que esperar de uma produção que justifica a importância da educação de Oher só como justificativa para ingressar no time de futebol americano? Ou que discute o racismo superficialmente em uma mesa de socialites e em uma arquibancada de jogo? Até a caridade da família Tuohy carece de verossimilhança e em momento algum – eu digo nenhum MESMO – alguém expressa o mínimo de desconforto com a chegada de seu novo membro. Talvez porque ele seja insistentemente comparado a Ferdinando, o brincalhão touro das histórias infantis que não gostava de brigar.
Adaptado e dirigido por John Lee Hancock, a narrativa abusa da inverossimilhança, e durante a compra de roupas para Oher, um vendedor critica seu excesso de peso, provocando espanto porque Leigh Anne aceita ainda comprar naquela loja depois da ofensa. O filme até mesmo subverte as regras do esporte, com a menção de falta de combatividade. Hancock está tão perdido que ele gasta 30 minutos em um interlúdio de visitas bonitinhas a faculdades e nas aulas particulares com a Miss Sue (Kathy Bates) sem mover a história para a frente.
E que história estamos falando, se o conflito principal do protagonista só é revelado nos 20 minutos finais quando os personagens ganham alguma profundidade. Até porque a caridade é uma moeda de duas faces: o caridoso tem a recompensa na gratificação pessoal que se confunde com vaidade, às vezes (ou na maioria das vezes?). E se Um Sonho Possível é suportável, deve-se exclusivamente a Bullock que realmente está bem – mas não o bastante para ganhar o Oscar de Meryl Streep ou Gabourey Sidibe – e consegue pontuar bem a convicção e determinação daquela mulher, sem mascarar a dubiedade daquele belo sentimento.
Histórias de superação e vitória como a de Michael Oher são agradáveis, mas não se traduzem sempre em bons filmes. Se isto o faz sair com um sorriso do cinema, sinta-se convidado. Causou-me só decepção!
Avaliação: 2 estrelas em 5.
Crítico de cinema filiado a Critics Choice Association, à Associação Brasileira de Críticos de Cinema, a Online Film Critics Society e a Fipresci. Atuou no júri da 39ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo/SP, do 12º Fest Aruana em João Pessoa/PB, do 24º Tallinn Black Nights Film na Estônia, do 47º TIFF – Festival Internacional de Cinema em Toronto. Ministrante do Laboratório de Crítica Cinematográfica na 1ª Mostra Internacional de Cinema em São Luís (MA) e Professor Convidado do Curso Técnico em Cinema do Instituto Estadual do Maranhão (IEMA), na disciplina Crítica Cinematográfica. Concluiu o curso de Filmmaking da New York Film Academy, no Rio de Janeiro (RJ) em 2013. Participou como co-autor dos livros 100 melhores filmes brasileiros (Letramento, 2016), Documentário brasileiro: 100 filmes essenciais (Letramento, 2017) e Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais (Letramento, 2018). Criou o Cinema com Crítica em fevereiro de 2010 e o Clube do Crítico em junho de 2020.
2 comentários em “Crítica | Um Sonho Possível”
Ah! Eu adorei o filme. Água-com-açucar é bom de vez em quando. Concordo que Sandra estava bem, mas não a ponto de merecer um Oscar, mas se Gwyneth Paltrow ganhou por Shakeaspeare in love, não duvido de nada. =)
Eu tbm adorei o filme… Sem mais!