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Grand Tour

2/5

Grand Tour

2024

129 minutos

2/5

Diretor: Miguel Gomes

Eu tenho dificuldade em me envolver com obras emocionalmente estéreis, ainda que intelectualmente férteis, porque gosto de colocar a emoção à frente da razão no cinema. Grand Tour, o mais recente trabalho do português Miguel Gomes (de Tabu e As Mil e Uma Noites), é uma colcha com os retalhos de boas ideias, estruturados em um texto tão ou mais indiferente do que a sua fotografia em preto e branco. 

O roteiro assinado por Miguel Gomes, Mariana Ricardo, Telmo Churro e Maureen Fazendeiro trata de um servidor público da coroa britânica em uma expedição na Ásia no início do século passado. Edward (Gonçalo Waddington) foge do casamento com Molly (Crista Alfaiate) por territórios colonizados pela coroa britânica e, no meio de um caminho repleto de intempéries, arrepende-se. Concorrentemente, Molly procura reencontrar o noivo e empreende uma jornada em busca de seu paradeiro, enquanto é cortejada por um homem riquíssimo interpretado por Cláudio da Silva.

A estrutura do romance subdividida nas metades protagonizadas por Edward e Molly é apenas a justificativa para que Miguel Gomes discuta a arte, cultural e esportes asiáticos, os quais não compreende inteiramente (como confessa dentro da narrativa). Esses aspectos entram dentro da narrativa como inserções curiosas – o teatro de sombras ou o ‘pau de sebo’ brasileiro versão asiática, por exemplo – e não dialogam temática ou esteticamente, senão pelo fato de que Miguel revela os bastidores, igual o estraga prazer que expõe o truque do mágico. 

Para não sair feio na história, Miguel Gomes também ilustra o funcionamento do dispositivo cinematográfico todo poderoso e apto até a realizar milagres. Um milagre cuja irrelevância para a ambição narrativa só não é maior do que a falha em ensaiar uma associação com as manifestações artísticas anteriores. A bem da verdade, o diretor nunca esteve preocupado em aderir às convenções narrativas e estéticas convencionais, trilhando um cinema particular de possibilidades.

Só que o casuísmo cobra um preço. Em certo momento, não há nenhum critério na escolha entre fotografia preto e branco ou colorida ou na direção de arte que retrata o passado com motivos do presente. O filme flui entre tempos até com desenvoltura, embora coesão inexistente. Flui porque pode, não porque deve. Não é atraente, ao menos para mim, esta liberdade que mais parece libertinagem. Talvez seja o motivo por que prefiro bem mais parte da segunda metade, centrada no relacionamento entre Molly (eu apenas ADORO a risada de Crista Alfaiate) e Ngoc (Lang Khê Tran). É onde a narrativa é mais envolvente, abordando o relacionamento entre duas mulheres de realidades distintas, embora unidas pelas circunstâncias apresentadas.

Relacionamento aquele que é bem melhor do que a absoluta esterilidade da metade protagonizada por Edward, que salta de país a país, de colônia a colônia, como se estas fossem a mesma coisa – já que a direção de fotografia da dupla Rui Poças e Gui Liang não procura diferenciar as culturas mantendo um preto e branco chapado (bonito, sim, mas indiferente).

E ainda que Grand Tour proponha reflexões a respeito da colonização e paralelos sobre a arte milenar dos países asiáticos, o tédio provocado pela narrativa é um obstáculo, para mim, intransponível para que esboce o esforço de desbravar o filme. 

Crítica publicada durante a cobertura do 77º Festival de Cannes.

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