Apresentando-se não só para lucrar sobre o sucesso do antecessor, mas desenvolvendo uma história a partir da escalada na pirâmide da corrupção, da violência e do tráfico na cidade do Rio de Janeiro, Tropa de Elite 2 ataca os detratores e críticos da natureza animalesca de Nascimento, quando este em narração diz que “o chamavam de facista”. Aliás, ao enxergar a violência como mal necessário e se manter fiel a esta ideia até o último piscar de olhos, o filme não apenas se mostra corajoso e honesto como revela traços preocupantes de uma sociedade cada vez mais assustada e acuada em suas vidas.
Tais traços são demonstrados em diálogos que insistem em uma “limpeza étnica e social” ou quando Nascimento é aplaudido em um restaurante após comandar uma fracassada incursão em Bangu I que resultou na morte de traficantes de diversas facções criminosas. Nos enxergar no reflexo daqueles homens comuns que comemoram a morte de criminosos ou a crítica ao sistema penitenciário brasileiro com números realmente assustadores vemos como a violência mudou as pessoas que nós somos.
Apresentando outro personagem que é a antítese do Coronel Nascimento, o roteiro de José Padilha e Braúlio Montovani revela Fraga (Irandhir Santos) como sendo um homem idealista e que enxerga nos criminosos seres humanos oprimidos e não animais prontos para o abate. Se compartilha algo em comum com Nascimento é a sua incorruptibilidade diante de um sistema voraz. Além disso, a paixão com que se entrega aos seus ideias, com os olhos sempre cheios de lágrimas ou o sentimento de indignação exposto após a violenta invasão em Bangu I acabam transformando-o em um dos grandes personagens da narrativa. Matias (André Ramiro) também retorna e vemos como a gradual mudança de personalidade iniciada desde a inscrição no treinamento do BOPE se concretiza em uma pessoa sólida e brutal.
Os outros personagens também se revelam ricos em sua, err, ganância, desde o Capitão Fábio até o deputado Fortunato e o Prefeito. Mas é claro que o show caí no colo de Wagner Moura: ator talentoso e que entende bem a natureza do Coronel Nascimento, ele jamais se entrega a um único sorriso na narração se revelando uma imagem triste e nada heroica. Até mesmo quando se torna político na subsecretaria de segurança, ele se apresenta avesso àquele mundo no desleixo com que traja terno e gravata. E se o olhar que dispara ao ver a bandeira do Brasil sob a bandeira do BOPE durante o enterro que faz um belo paralelo com o de Neto no filme anterior, vemos como segurar um fuzil transforma aquele homem fazendo a arma ser mera extensão dos seus braços.
Dirigido com segurança por José Padilha, desde a incursão à favela do Rio acompanhada por um helicóptero do BOPE, até quando exibe a alegoria do fim do tráfico em duas cenas distintas – uma como Nascimento imaginava que ia acontecer e a outra que é o reflexo da realidade, a montagem também se destaca tornando a narrativa ágil e dinâmica como no atentado logo no início da projeção.
Encerrando a narrativa com uma visão panorâmica de Brasília que acaba apontando para diversos culpados que existem na política, Tropa de Elite 2 ousa mais do que ser apenas uma continuação de um produto. É um filme que aperfeiçoou a sua crítica social se revelando mais oportuna do que nunca no período de eleições, e sim, um dos raros casos de uma sequência que supera o material original.
5 estrelas em 5.
Crítico de cinema filiado a Critics Choice Association, à Associação Brasileira de Críticos de Cinema, a Online Film Critics Society e a Fipresci. Atuou no júri da 39ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo/SP, do 12º Fest Aruana em João Pessoa/PB, do 24º Tallinn Black Nights Film na Estônia, do 47º TIFF – Festival Internacional de Cinema em Toronto. Ministrante do Laboratório de Crítica Cinematográfica na 1ª Mostra Internacional de Cinema em São Luís (MA) e Professor Convidado do Curso Técnico em Cinema do Instituto Estadual do Maranhão (IEMA), na disciplina Crítica Cinematográfica. Concluiu o curso de Filmmaking da New York Film Academy, no Rio de Janeiro (RJ) em 2013. Participou como co-autor dos livros 100 melhores filmes brasileiros (Letramento, 2016), Documentário brasileiro: 100 filmes essenciais (Letramento, 2017) e Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais (Letramento, 2018). Criou o Cinema com Crítica em fevereiro de 2010 e o Clube do Crítico em junho de 2020.
1 comentário em “Crítica | Tropa de Elite 2 – O Inimigo agora é Outro”
o filme é realmente bom, mas fico me perguntando se foi ou não coincidência o filme ser estreado um pouco antes das eleições, e logo quando estava quase certo de que a sucessora de Lula, seria a nossa presidente. Será que o mês de lançamento foi proposital? eu achei meio explicito.