Aumentando seu amor pelo cinema a cada crítica

35ª Mostra de Cinema em São Paulo – Dia 3

12) Carne de Neón (Idem, Espanha/França/Suécia/Argentina, 2010). Direção: Paco Cabezas. Roteiro: Paco Cabezas. Elenco: Mario Casas, Vincente Romero, Luciano Cáceres, Macarena Gómez, Dámaso Conde, Darío Grandinetti. Duração: 113 minutos.

Antes, uma confissão: eu adoro os filmes de gângsters de Guy Ritchie, especialmente Jogos, Trapaças e Dois Canos Fumegantes e Snatch – Porcos e Diamantes, e nos primeiros 20-25 minutos, eu achei que Carne de Neón fosse exclusivamente um filhote espanhol de Ritchie, o que não seria nada mal, desde que feito com competência.
Grande engano. O roteiro acompanha Ricky (Casas), um bandidinho que junto com Angelito (Romero) e El Niño (Cáceres), constrói uma casa de prostituição, Hiroshima, em homenagem a sua mãe, uma ex-prostituta recém-saída da prisão, acometida por Alzheimer e convenientemente batizada de Pura (Angela Molina). Todavia, seguindo a fórmula exigida para filmes de gângster, uma meia dúzia de outros personagens dão as caras, com interesses pessoais: Princesa (Conde), um travesti que deseja fazer uma cirurgia de mudança de sexo para participar em um filme pornográfico; Magrela (Gómez), a prostituta que sempre anda ao lado de Angelito; Chino (Gradinetti), o chefão do crime, especialmente envolvendo prostituição e tráfico de mulheres.
O roteiro de Cabezas eventualmente coloca em rota de colisão os interesses pessoais de cada um, usando satisfatoriamente o esquecimento de Pura ou a obstinação de El Niño, e pecando apenas na estrutura em um longo flashback, quando Ricky relembra os eventos de sua vida diante de seus olhos enquanto uma bala dirige-se a sua cabeça. Acrecentando elementos bizarros que tornam a experiência caprichosamente engraçada, Cabezas brinca com a moda de relógio calculadora, recorre aos bíceps de um personagem como forma de conquista ou brinca com uma cadela famosa do cinema em uma filme pornográfica, tudo isso sem esquecer de que, no fundo, Carne de Néon é um filme de pais e filhos. Por isso, Chino é um vilão tão perigoso, pois após perder aquele que mais amava, ele perdeu as pequenas barreiras que o detinham. As tentativas de Ricky de reconquistar a sua mãe, por sua vez, falham no excesso de brincadeiras realizadas de cunho sexual, o que é uma pena.
A montagem de Antonio Furtos e a direção segura de Cabezas conferem um ritmo dinâmico à narrativa. Gostei particularmente da apresentação dos personagens, do uso de planos divididos ou simplesmente do retrato da morte de um cachorro (seja por um tiro, seja arremessado). Aliás, é inegável que a venda das prostitutas de Angelito ou a quebra de um celular em um surto de raiva surtem efeito cômico justamente graças à montagem. 
Enquanto isso, a fotografia de Daniel Aranyo transforma as callas espanholas em locais sujos e inóspitos, recônditos de homens perigosos, e por isso mesmo, a mansidão das ondas do mar em uma praia conseguem ter um efeito da paz desejada justamente pelo contraste.
Encerrando um rico elenco de bons atores, Vincente Romero tem o melhor papel, pois Angelito, apesar de amigo de Ricky, não hesita em demonstrar a inerente crueldade e maldade, e que poderia cometer uma brutalidade a qualquer momento. Já Darío Grandinetti evita suavizar Chino, usando a frieza e impassividade com que comete seus atos o suficiente para compreendermos até onde aquele homem poderia ir. Além disso, como não se divertir com o travesti de Dámaso Conde ou elaborar um laço de afeto com Mobila (Vanessa Oliveira).
Mais do que reproduzir Guy Ritchie, Paco Cabezas conferiu coração e vida a perigosos e ameaçadores bandidos. Ultimamente, igualou-se a sua fonte de inspiração.

11) Nervos à Flor da Pele (Órói, Islândia, 2010). Direção: Baldvin Zophoníasson. Roteiro: Baldvin Zophoníasson, Ingibjörg Reynisdóttir. Elenco: Atli Óskar Fjalarson, Hreindís Ylva Garðarsdóttir, Birna Rún Eiríksdóttir, Haraldur Ari Stefánsson. Duração: 97 minutos.

Se você quiser elaborar uma boa história sobre a formação do caráter e da personalidade, e as experiências na adolescência, você tem que regredir às figuras paternas e começar a explorar neste ponto. Nesse sentido, Nervos à Flor da Pele apresenta a frustração, a ânsia de viver, a responsabilidade e as descobertas do primeiro amor de jovens que serão o futuro da humanidade e, consequentemente, têm que saber posicionar-se diante de eventos novos e inesperados, sem necessariamente a ajuda indiscriminada dos pais, mas contando com seu auxílio e conselho.
Considerações iniciais feitas, Gabriel (Fjalarson) é um jovem de 16 anos que, em um curto intercâmbio para a Inglaterra, tem uma experiência homossexual com Marcus (Stefánsson). Questionando a si mesmo, pois principalmente ele, e não apenas os seus pares, deve aceitar-se e superar o preconceito, Gabriel também auxilia Stella (Garðarsdóttir), uma amiga sufocada com a superproteção da avó e apaixonada pelo amigo. Outros jovens compõem o cenário, e destaco Greta (Eiríksdóttir), que não consegue mais viver com a mãe e deseja conhecer o pai que a abandonou quando jovem.
Longe de ser uma narrativa rígida e estritamente séria, muitos dos problemas são abordados com bom humor, como o novo visual de Gabriel, a imaginação dos pais que acreditam que a droga provocou a mudança no comportamento do rapaz e a visão que os jovens têm dos adultos com mais de 40 anos ou dos pais, que não são considerados amigos per si. Mas, o trabalho do diretor e roteirista Baldvin Zophoníasson também não ganharia necessariamente um prêmio de originalidade, não se preocupando em inserir clichês aborrecidos e relacionamentos casuais no meio da narrativa.
Fotografado por Jóhann Máni Jóhannsson que retrata uma Islândia fria, acizentada e pouco convidativa, e montado com competência por Sigurbjorg Jonsdottir, permitindo o desenvolvimento harmonioso de todas as linhas narrativas, Nervos à Flor da Pele é urgente no clímax, encerrando com uma tomada genial no jantar em família.
Pena que, aqui e acolá, acabou me lembrando de Malhação.
10) A Morte de Pinochet (La Muerte de Pinochet, Chile, 2011). Direção: Iván Osnovikoff, Bettina Perut. Roteiro: Iván Osnovikoff, Bettina Perut. Duração: 75 minutos.

O general Augusto Pinochet é um dos grandes crápulas da história mundial, e para dizer isto, não preciso ser imprcial, bastam números. Tomando o Chile através de um golpe militar em 1973, que culminou no fim do regime socialista e no suicídio do presidente anterior Salvador Allende, Pinochet é responsável pelo genocídio, tortura e desaparecimento de milhares de chilenos, desrespeitando direitos humanos e civis durante os 17 anos de seu governo. Eventualmente, ele seria detido, próximo ao fim de sua vida, mas não julgado, e morreria aos 91 anos, no ano de 2006.

No entanto, o documentário de Iván Osnovikoff e Bettina Pertu está preocupado nas posições extremadas da população chilena e nas manifestações de direitistas e esquerdistas pouco antes e durante a sua morte. De um lado, uma florista e um presidente da organização chamada 11 de setembro (qualquer coincidência é mera semelhança, pois nesta mesma data, o ditador tomou o poder chileno), orgulhosos de seu ex-ditador, e eventualmente, inocentes, acreditando piamente de que nenhum crime poderia ser imputado nas costas do general, pois este “não segurou nenhuma arma”. Do outro lado, um guardador de carros, que sequer consegue diferenciar Pinochet e Pinóquio, e um ativista idoso que vestido das cores de Papai Noel, representa o comunismo na alma do falecido Allende.

Centrando-se exclusivamente nestas quatro figuras, é perceptível que os documentaristas privilegiam a visão direitista do tema, e nunca vi um documentário, sobretudo político, sustentar-se sob um olhar parcial. Imagine um tribunal de acusação no qual os quatro sujeitos que acompanhamos fossem testemunhas, você desconsideraria uma árdua trabalhora ou um homem de reputação aparentemente ilibida, ou alguém que afirmar estar constantemente bêbado (“tomei 3 garrafas de vinho”) e um ativista extremista? Outro aspecto interessante é que ao se concentrar na morte do ditador, aqueles que o defendiam estão fragilizados no luto, enquanto seus adversários assumem uma posição politicamente incorreta e passível de críticas ao não respeitar o velório de um outro ser humano, muito embora este fosse ser um monstro.
Portanto, qualquer olhar que julguei relevante suspendi e apenas acompanhei atônito a posição de muitos membros da sociedade chilena. Como os que o comparam com o diabo ou o Führer, o que não os impediu de amá-lo incondicionalmente; ou os que desdenham a morte durante o período da ditadura, defendendo-se na idéia de que os esquerdistas também matam frequentemente em atentados, como se um ato de violência pudesse justificar outro; e, finalmente, os que acreditam cegamente no juramento de Pinochet que nunca cometeu nenhum ato cruel no seu governo.
Posso, porém, destacar alguns bons elementos técnicos, como a montagem, especialmente nos dois relatos da florista em momentos diversos no tempo, na manifestação pró-Pinochet e na sua barraca de flores, ou a fotografia de Pablo Valdés nos planos extremamente próximos e detalhistas das rugas, bocas, olhos e imperfeições dos sujeitos discutidos (apesar de não ter encontrado o porquê narrativo para isto).

Incapazes de assumir uma postura imparcial, os documentaristas não conseguriam esconder sua posição direitista o que é condenável; por outro lado, se eventualmente eu descobrir que eles eram contrários ao regime de Pinochet, chegamos a uma conclusão pior: o atestado de incapacidade dos dois de argumentar em som e imagens em prol do que acreditam, algo que é particularmente fácil em se tratando de Augusto Pinochet.

9) Por que você está chorando? (Pourquoi tu pleures?, França, 2011). Direção: Katia Lewkowicz. Roteiro: Katia Lewkowicz, Márcia Romano. Elenco: Benjamin Biolay, Emmanuelle Devos, Nicole Garcia, Valérie Donzelli, Sarah Adler. Duração: 99 minutos.
Faça um pequeno esforço em imaginar esta comédia romântica saindo das mãos de um estúdio hollywoodiano: uma trilha sonora pop marcando os momentos de reflexão de Arnaud (Biolay) relacionado às dúvidas em relação ao seu casamento com Anna (Donzelli), a presença de amigos e família engraçadinhos desempenhando sem vexame a sua função de alívio cômico e o desfecho clichê e pouco convincente de viveremos para sempre bem felizes em um grande e pomposo casamento.
Deve-se, portanto, valorizar o trabalho de Katia Lewkowicz em transformar a jornada de Arnaud em uma que os homens certamente se identificarão. Afinal, se a ansiedade em abdicar da vida de solteiro é inevitável, o que falar do desaparecimento às vésperas do casamento de Anna, ou do surgimento de Leá (Adler), uma paixão avassaladora conhecida na despedida de solteiro. Considerando-se que a lembrança do pedido de casamento é incapaz de provocar a menor faísca de emoção em Arnaud ou Anna, sequer poderíamos concluir que os jovens são feitos um para o outro.
Mas, a família e os amigos estão no clima da festa, buscando dirimir as dúvidas de Arnaud e investindo na preparação de casamento, o que me lembrou superficialmente a de O Casamento Grego, especialmente considerando a família de Anna. Por sua vez, o noivo tem todos os motivos para estar tenso, e Biolay, quase a versão espanhola de Benício Del Toro, induz o público a direcionar a pergunta do título a ele: Por que você está chorando diante do túmulo do seu pai ou no banco de uma praça ao lado de um estranho? Mal sabemos, porém, que outra pessoa – a qual, evidentemente, não revelarei – chora de maneira abafada, e esta, certamente é a real destinatária da pergunta título.
E não se engane, pois Por que você está chorando? mantém os elementos tradicionais da comédia romântica. Ele é suavemente engraçado, sobretudo o parente da noiva com costume de abraçar os outros e as amigas da mãe de Arnaud; além disso, é mais romântico porque é realista, enfatizado na direção de arte (observe como as paredes da casa de Léa estão descascadas) ou na fotografia de Laurent Brunet, que evita as cores quentes, optando por uma paleta melancólica, justificada pelas consequências e ações tomadas na narrativa.
Se o casamento, na nossa cultura, envolvesse apenas duas pessoas que escolheram passar suas vidas juntos, e não duas famílias as quais os noivos devem satisfação irrestrita, certamente que Arnaud não precisaria chorar. Da forma como é, Katia Lewkowicz retratou bem a instituição e a dúvida que, invariavelmente, ela gera nos protagonistas desta história de amor.

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