O Palhaço, 2011, Brasil. Direção: Selton Mello. Roteiro: Selton Mello, Marcelo Vindicatto. Elenco: Paulo José, Selton Mello, Larissa Manoela, Giselle Motta, Teuda Bara, Moacyr Franco. Duração: 90 minutos.
O circo traz à memória sentimentos bonitos, a inocência de uma criança, os sonhos que viram realidade, os sorrisos puros e ingênuos de adultos e jovens. É um espaço mágico que o diretor, roteirista, montador e ator Selton Mellon conseguiu reproduzir com exatidão em O Palhaço. Batizado de Circo Esperança, um nome deveras apropriado, a trupe itinerante de circenses atravessa o estado de Minas Gerais com seus automóveis velhos, o cansaço e o suor no rosto e um desejo apenas de divertir.
Nesse panorama, cortadores de cana, em um belíssimo e inesquecível plano, observam a chegada do Circo Esperança à sua cidade. Eles sequer imaginam que detrás da fachada descontraída e na atuação exibida no picadeiro, existe um sentimento de tristeza inominado, sobretudo envolvendo o palhaço Pangaré (Mello). Muito se deve a ausência de identidade e a falta de um lugar para chamar de seu, registrado na necessidade de Pangaré de conseguir o seu “RG, CPF e comprovante de residência”; também se deve às responsabilidades que caíram no seu seu colo, herdeiro do circo do pai, o palhaço Puro Sangue (Paulo José, fantástico), e vocacionado para seguir o seu legado.
Assim, o ventilador nasce como objeto de desejo de Pangaré, sempre iluminando discretamente a ótima, nostálgica e calorosa fotografia de Adrian Teijido. Mais do que uma metáfora das coisas que Pangaré é incapaz de alcançar estando no circo, o ventilador é o status quo necessário para que a realidade daquela vida seja mais amena. E é comovente quando Pangaré afirma “eu faço o povo inteiro rir, mas quem vai me fazer rir?”, especialmente porque longe de ter lágrimas nos olhos, e apenas a habitual timidez e retração, a confissão parece ter um peso muito maior no coração daquele homem.
Estabelecendo a cumplicidade dos integrantes da trupe ao redor de uma fogueira, é interessante observar como eles formam uma família muito além dos laços de sangue que porventura existam, como a pequenina Guilhermina (Manoela), nascida no meio daquela gente, e um elo tão importante quanto Pangaré para o público, afinal de contas, ela quem representa o olhar inocente e sem máculas que todos nós dirigimos ao circo quando este chega à cidade.
Além de emocionante e magicamente dramático, Selton Mello tem um olhar fantástico para composição e a montagem de quadros. No jantar do prefeito, os cortes secos de planos médios colocam a trupe do lado da platéia e ajudam a construir um humor despretensioso, como no quadro da cabra. De maneira igualmente elegante, quando presos por enterrar um suposto cadáver (piada interna, literalmente), os circenses parecem espremidos no banco da delegacia, enquanto o delegado Justo (a especialíssima participação de Moacyr Franco) começa um hilário monólogo envolvendo um jantar, a queda de pêlos do seu gato e sua alegria de estar ali.
Mostrando-se um diretor genial, Selton Mello também compõe planos gêmeos que não apenas criam rimas temáticas importantes como ressaltam o comprometimento e dedicação de Pangaré. Tome, por exemplo, os momentos em que ele se coloca diante do espelho para se vestir para o seu ofício. Ou, divirta-se com a ironia narrativa na loja de eletrodomésticos e a venda de ventiladores por prestação.
Outrossim, o elenco de O Palhaço é diversificado e rico. Nas participações especiais de Tônico Pereira (os irmãos papagaio), de Danton Mello e do mencionado Moacyr Franco, como naqueles que compõem a trupe circense: Selton Mello com um charme tímido e recatado, Paulo José e as marcas do cansaço de anos na estrada, Giselle Motta, igualmente traiçoeira e sedutora no picadeiro, Álamo Facó e Hossen Minussi, Thogun, Renato Macedo, dentre outros. Mas, é mesmo Larissa Manoela o destaque do filme: graciosa, bela e com um sorriso inocente e alegre, ela é apenas uma criança, começando a ver que o circo pode não ser tão mágico como imaginara, mas que receberá uma recompensa linda e inesquecível.
Que vem com um belo plano sequência, despedindo-se daquele mundo de felicidade e esperança, a confirmação de que Selton Mello é um dos nomes mais talentosos do cinema brasileiro, em uma viagem que jamais recusaria de realizar novamente.
Obs: Crítica originalmente publicada na Cobertura da 35ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo.
Crítico de cinema filiado a Critics Choice Association, à Associação Brasileira de Críticos de Cinema, a Online Film Critics Society e a Fipresci. Atuou no júri da 39ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo/SP, do 12º Fest Aruana em João Pessoa/PB, do 24º Tallinn Black Nights Film na Estônia, do 47º TIFF – Festival Internacional de Cinema em Toronto. Ministrante do Laboratório de Crítica Cinematográfica na 1ª Mostra Internacional de Cinema em São Luís (MA) e Professor Convidado do Curso Técnico em Cinema do Instituto Estadual do Maranhão (IEMA), na disciplina Crítica Cinematográfica. Concluiu o curso de Filmmaking da New York Film Academy, no Rio de Janeiro (RJ) em 2013. Participou como co-autor dos livros 100 melhores filmes brasileiros (Letramento, 2016), Documentário brasileiro: 100 filmes essenciais (Letramento, 2017) e Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais (Letramento, 2018). Criou o Cinema com Crítica em fevereiro de 2010 e o Clube do Crítico em junho de 2020.
2 comentários em “O Palhaço”
Esse blog é bastante interessante.
Já adicionei a lista de favoritos.
E eu agradeço o elogio Nanda.
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