Operação Presente (Arthur Christmas, Estados Unidos/Inglaterra, 2011). Direção: Sarah Smith. Roteiro: Sarah Smith, Peter Baynham. Elenco: James McAvoy, Hugh Laurie, Bill Nighy, Jim Broadbent, Imelda Staunton, Ashley Jensen, Marc Wootton, Laura Liney, Eva Longoria. Duração: 97 mintuos.
Se você é pai de primeira viagem, certamente martela a cabeça nesta época do ano para explicar para o filho como Papai Noel consegue entregar os presentes para todas as crianças ao longo de uma única noite. Como introduzir para uma geração curiosa e questionadora, maravilhada com avanços tecnológicos e dificilmente impressionável o mito do bom velhinho, do trenó e das renas mágicas? Para essa e outras perguntas, Operação Presente, além de um ótimo filme, é a aventura ideal para crianças, modernizando a história de Papai Noel sem perder o charme e atemporalidade clássicas, e adultos, fascinados pela qualidade técnica do projeto, pelaa ambição narrativa e, evidentemente, pela quantidade de novas respostas evasivas que poderão ser fornecidas para os pequeninos insatisfeitos e fartos de explicações fantasiosas.
Apresentando nos 30 minutos iniciais um vigor e dinâmica invejáveis, combinados à inventividade e ao oportunismo temático que vêm a ser as principais qualidades do projeto, descobrimos que o ofício natalino é passado de geração em geração desde São Nicolau, uma herança ilustrada de forma econômica no hall de antigos papais noéis. No entanto, ser Papai Noel tem sido um trabalho muito mais simbólico do que concreto pois, quem efetivamente tem feito as entregas são os duendes treinados a bordo da S-1, uma gigantesca nave-trenó, que percorre o mundo na véspera do Natal. Dessa maneira, o icônico Papai Noel surge literalmente como um estorvo e egoísta, colocando em risco a missão com seu jeito egocêntrico e atabalhoado. Qualidade esta herdada por seu filho caçula Arthur, relegado ao setor das correspondências – que jamais são despachadas – por seu irmão mais velho Steve, ansiosamente aguardando a aposentadoria de Papai Noel para assumir o posto definitivamente (é a septuagésima missão dele).
Entretanto, apesar do perfeccionismo imposto por Steve para a missão, uma criança acaba esquecida sem receber o seu presente, um percentual ínfimo comparado a quase 2 bilhões de entregas realizadas, mas que para Arthur e Vovô Noel é inadmissível o bastante para os levar a embarcar em nova viagem, na autêntica reafirmação do espírito natalino. Montados no antigo trenó, agora conduzido pelas renas tataranetas de Rodolfo, Corredora, Dançarina, dentre as outras, eles partem juntamente com a duende Bryony, especialista em embrulhos (uma piada recorrente, tornando-a o alívio cômico do projeto), para a entrega do últimos dos presentes antes do pôr-do-sol.
Cuidadosos e inovadores no design de produção, a equipe técnica de Operação Presente merece fartos elogios pela concepção da nave-trenó e do imponente Comando da Missão, branco como a neve e organizado na forma de uma enorme árvore de natal, com os duendes fazendo as vezes de enfeites atrás de computadores. Introduzindo pequenos (e significativos) detalhes, como o cavanhaque de Steve, o lema do pólo norte “in Santa we believe” ou os pôsteres no depósito de velharias “não seja visto” e “você foi bonzinho”, o esforço dos animadores confere individualidade aos pequenos elfos, principalmente Bryony e o seu piercing na sua sobrancelha e o topete descolorido – diferentemente, por exemplo, do que foi feito com Meu Malvado Favorito, onde os minions assumiam formas pré-definidas.
Além disso, o roteiro de Sarah Smith e Peter Baynham tráz divertidas gags como a brincadeira com o Google Earth e a afirmação de Papai Noel a respeito do contexto geopolítico mundial – “são tantos países hoje em dia”, e o uso pormenorizado do subtítulo de uma invasão alienígena. Criticando a indústria de brinquedos, que substituíu o prazer infantil de rasgar as embalagens dos presentes por “plásticos e 14 arames”, o roteiro acha uma brecha para criticar a presença nociva da tecnologia nos relacionamentos humanos, e a figura de Steve com seu smartphone em mãos na tensa mesa de jantar evoca a distância auto-imposta entre todos os membros daquela família desajustada. Ao mesmo tempo, os roteiristas divertem-se com o caráter milenar do ofício de papai noel ilustrando Atlântida no pesado mapa do velho trenó, ou brincando com a idade de Vovô Noel, direto responsável pela crise dos mísseis de Cuba no governo Kennedy, o que parece justifica o uniforme similar ao de um veterano de guerra.
A diretora estreante Sarah Smith faz um excelente trabalho nos movimentos ágeis e cativantes da câmera digital, como quando acompanha detalhdamente a entrega dos presentes pelos duendes em uma vizinhança ou a excitante viagem de trenó marcada pela inexperiência das renas e do coxeiro que há muito tempo esteve longe das rédeas e controles. Introduzindo letreiros com informações sobre o tempo restante para o nascer do sol ou a localização dos heróis, a narrativa não perde o aspecto urgente, apesar do ritmo desacelerar durante o meio da projeção no não-tão-interessante tom episódico. Finalmente, a fotografia de Jericca Cleland fascina nas cores vibrantes e iluminação natalinas, atingindo o ápice no reflexo da lua no revolto oceano, na aurora boreal e no brilho da árvore de natal.
Contando com personagens carismáticos e complexos, o desastrado Arthur em nenhum momento deseja usurpar a posição do irmão como futuro Papai Noel, limitando-se a enxergar o processo natalino com os olhos fascinados de uma criança; por sua vez, Steve jamais é excessivamente vilanizado, remontando-se à imagem do primogênito ambicioso e criado para ser o herdeiro da companhia do pai. Porém, é inevitável que a rabugice do Vovô Noel e sua farta (in)experiência o transformem no melhor personagem da narrativa (consigo imaginar quão divertida deva ser a dublagem de Bill Nighy, sem menosprezar evidentemente a boa dublagem brasileira).
Encerrando com uma bela e tocante comunhão familiar, vista através da espontânea alegria de uma criança testemunhada por todos os Noéis,
Operação Presente é uma forma contemporânea de comunicar aos mais jovens do que realmente se trata o espírito natalino. De bandeja, é também uma das animações mais divertidas do ano – juntamente com
Rango. O que mais você poderia desejar de Natal?
(Está crítica integra o Especial de Natal do Cinema com Crítica, e apesar de não ter sido prevista na selecionada listagem de clássicos natalinos, a sua qualidade é suficiente para sua presença).
Crítico de cinema filiado a Critics Choice Association, à Associação Brasileira de Críticos de Cinema, a Online Film Critics Society e a Fipresci. Atuou no júri da 39ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo/SP, do 12º Fest Aruana em João Pessoa/PB, do 24º Tallinn Black Nights Film na Estônia, do 47º TIFF – Festival Internacional de Cinema em Toronto. Ministrante do Laboratório de Crítica Cinematográfica na 1ª Mostra Internacional de Cinema em São Luís (MA) e Professor Convidado do Curso Técnico em Cinema do Instituto Estadual do Maranhão (IEMA), na disciplina Crítica Cinematográfica. Concluiu o curso de Filmmaking da New York Film Academy, no Rio de Janeiro (RJ) em 2013. Participou como co-autor dos livros 100 melhores filmes brasileiros (Letramento, 2016), Documentário brasileiro: 100 filmes essenciais (Letramento, 2017) e Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais (Letramento, 2018). Criou o Cinema com Crítica em fevereiro de 2010 e o Clube do Crítico em junho de 2020.
1 comentário em “Operação Presente”
Adorei o filme e a crítica. De fato, o vovô é o personagem mais engraçado do longa, mas gosto mais do Arthur, com quem me identifico mais. Pra mim é a segunda melhor animação do ano, ficando atrás apenas do citado Rango (insuperável, provavelmente). http://www.lumi7.com.br/2011/12/operacao-presente.html