Aumentando seu amor pelo cinema a cada crítica

Search
Close this search box.

Nosso Sonho

5/5

Nosso Sonho

2023

117 minutos

5/5

Diretor: Eduardo Albergaria

A história da dupla de funkeiros de São Gonçalo que contagiou o Brasil nos anos 90 chega à tela grande em um filme de sensibilidade ímpar. Entre várias cinebiografias de artistas da música brasileiros e estrangeiros, Nosso Sonho consegue se destacar muito além da leveza com que conta a trajetória desses dois garotos repletos de sonhos. O destino há de adjudicar esta como uma das mais emocionantes cinebiografias que o nosso cinema produziu.

Nosso Sonho é um filme bastante íntimo. E desde o início deixa bem claro que se trata da perspectiva de Bochecha sobre sua parceria com Claudinho, falecido em um acidente de carro em 2002. É lindo como o funkeiro coloca que o amigo o salvou diversas vezes. Uma das primeiras cenas do filme é sobre o início dessa amizade. Sobre a brincadeira que culmina em um quase afogamento de Buchecha, impedido por aquele que seria seu melhor amigo. Vale ressaltar a bela fotografia dessa cena com o corpo do menino na água, que vai ser reprisada em outros momentos da narrativa. A sensação de deriva da submersão me remonta às cenas em baixo d’água de Jim Caviezel construídas por Terence Malick em Além da Linha Vermelha.

Existe algo de realismo mágico nesse filme que vai muito além da fotografia que nos faz sentir as cenas. Isso muito se deve a forma como Claudinho é retratado na narrativa. Poderia ser um “defeito” do filme a leitura unidimensional do artista: sonhador e inocente. O status de “anjo da guarda” do amigo, a maneira como se manifesta na narrativa como alguém que parece surgir quando se faz mais necessário, além de saber os rumos da vida e estar o tempo todo direcionando Bochecha para sua melhor versão são apontamentos perfeitos para enquadrar Claudinho dentro do estereótipo do “Negro Mágico / Sobrenatural”. Mas, novamente, estamos diante da visão de seu amigo. É assim que Bochecha o enxerga. E não tem outro jeito de encarar que não uma belíssima homenagem e uma maneira de lidar com a ausência daquele que foi muito além de um parceiro de palco e composições. “Buchecha sem Claudinho” ainda é sinônimo de um vazio muito doloroso.

A relação turbulenta de Buchecha com seu pai, Souza, também é bastante explorada no filme. O alcoolismo e a violência doméstica são evidenciados em cenas de apelo dramático e apuro formal. A interpretação de Nando Cunha é impecável. É impossível não notar o peso das cenas no olhar do ator. A dinâmica de Nando e Juan Paiva (que vive Buchecha jovem) também merece atenção, inclusive por ser a força motriz do arco dramático de protagonista. Juan consegue imprimir com maestria a inocência de um menino na mesma medida de amargura no olhar de um jovem adulto que não enxerga mais admiração na sua figura paterna. E é no abraço e choro de reconciliação que o filme mais uma vez me transborda os olhos.

Não foram poucas as cenas que me tiraram lágrimas durante o filme. Posso listar várias além da descrita no parágrafo anterior: a compra do carro que até então era só um brinquedo, a descida do palco, duas pipas no céu…, mas deslumbrar Nosso Sonho nos comove fazendo rir, assim como nos comove fazendo chorar. Quando digo que o filme carrega uma leveza ao narrar a trajetória daqueles dois, é graças a mensagem de esperança de mudar a própria realidade e também na forma de contornar as dificuldades como, por exemplo, na cena da ligação com gravadora no orelhão.  Sem contar, é claro, no imenso carisma que Lucas Penteado entrega no papel de Claudinho. Além do jeito bem-humorado e companheiro, o ator ainda nos presenteia com o sotaque carioca munido da língua presa – característica marcante do faixa do Buchecha.

A cena do orelhão que revela mais uma vez o carisma de Lucas Penteado vivendo Claudinho / imagem: divulgação

Ri e chorei em diversas cenas, e ainda me vi dançando e cantando as músicas, ainda que sentado na poltrona. Cresci ouvindo Claudinho e Buchecha (ainda tenho os cd’s) e confesso que o filme me pegou em um lugar especial da infância. Lembrei de quando era criança e ensaiava os passos com uma mão no rosto e a outra sacodindo com o braço esticado ao som de “Conquista” ou de decorar todos os lugares listados na letra de “Nosso Sonho”. Me senti inserido na fala sobre o público infantil quando Buchecha dá uma chamada em Claudinho a respeito de uma piada que havia feito no Programa do Jô (que muitas vezes eu estava acordado assistindo). Talvez aí o filme poderia ter explorado ainda mais o contexto social. Afinal, Claudinho & Buchecha popularizaram o funk, com suas letras lúdicas e juvenis, conquistando espaços muito além da fronteira da periferia… e do Brasil. Nos anos 90, o funk ainda era marginalizado e, muitas vezes, associado às facções criminosas pelos proibidões. A dupla acabou trazendo outro olhar para o ritmo, invadindo milhares de lares por meio de programas como os da Xuxa, Gugu e Faustão. Essa responsabilidade é um reflexo de um grupo social (negros e periféricos) que, apesar do sucesso, não possuem o “direito de errar”. Talvez não seriam encarados como Os Mamonas Assassinas – que também marcou minha infância e que tiveram uma tragédia marcando sua história – que fizeram sucesso como irreverentes e brincalhões com suas letras de duplo sentido. Mas o filme é aquilo que é e não o que poderia ser. Naquilo que ele se apresenta, eu não tenho nada a devolver senão aplausos. Feliz de a história desses dois ter virado cinema.

Nosso Sonho estreia dia 21 de setembro nos cinemas.

Compartilhe

Facebook
Twitter
LinkedIn
WhatsApp

2 comentários em “Nosso Sonho”

  1. Que lindo, só de ler o texto eu fiquei ainda mais ansiosa pelo filme!! A dupla marcou uma geração e como vocês disseram trouxe o funk carioca pro Brasil todo, alcançando os mais variados públicos. “Fico assim sem você” até hoje embala crianças, emociona casais, e aquece nosso coração ❤️.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Você também pode gostar de:

Críticas
Marcio Sallem

A Mula

A partir do artigo do New York Times

Rolar para cima