Apostando na típica caracterização messiânica do personagem conflituoso, a direção de Andrew Stanton (dos excelentes ‘Procurando Nemo’ e ‘Wall-E’) tem o árduo trabalho de contextualizar o público no breve prólogo acerca dos eventos ocorridos no planeta vermelho antes de nos enviar à Nova York, no final do século XIX, onde ironicamente transcorrem os melhores momentos do longa. Reverenciando o faroeste, Andrew Stanton já apresenta seu protagonista no distintivo contraluz antes de adentrar no escuro e sujo bar frequentado por uma pequena escória, para posteriormente homenagear e expandir temas do gênero, como a relutância de John no auxílio à Dejah e sua abundância de nomes (‘Virgínia’, ‘Dotar Sojat’), no contraste a um dos ícones do gênero, o Pistoleiro Sem-Nome eternizado por Clint Eastwood. Aliás, a narrativa é uma analogia ao conturbado período histórico da secessão vivenciado por seu autor, não sendo difícil comparar Helium, Zodanga e os Tharks respectivamente a nortistas, confederados sulistas e índios Apaches. O que fica evidente na forma que Zodanga utiliza o poderoso Nono Raio, para escravizar e destruir, ao passo que Helium tem sonhos mais ‘industrializados’.
Porém, se a narrativa detém uma veia político-histórica latente, também apresenta sintomáticos clichês que somadas aos fracos diálogos (‘Você é feio, mas é lindo!’ ou ‘Podemos ser de mundos diferentes, mas eu o conheço’) afundam o problemático e arrastado segundo ato. Explorando pobremente a mitologia da obra – elementos foram descartados visando possíveis continuações – e investindo na (falta de) química entre John Carter e Dejah Thoris e na indecifrável dedicação de Sola (Morton) a sua ‘cria’, ‘John Carter’ também falha nas burocráticas e supostamente grandiosas sequências de ação que, pouco inspiradas, são reféns quase exclusivamente dos ótimos efeitos especiais, destacando-se a fabulosa caracterização dos Tharks que lhes confere personalidade nas presas e expressões faciais. Encenando referências óbvias a ‘Guerra nas Estrelas’ – o ataque à estrela da morte e os pod racers -, ‘Duna’ e ‘Stargate’, sobretudo na trilha sonora de Michael Giacchino, como não enxergar os Na’vi de ‘Avatar’ ao ver John Carter banhado no sangue azul de um gigantesco monstro?
Interpretando John Carter como um homem pertinaz cuja beligerância pretérita lhe trouxe somente dor e luto, Taylor Kitsch é competente, apesar de não ser grande ator, para segurar a narrativa nas costas embora desaponte a entonação do ‘Eu estou em Marte?’ semelhante a alguém dando um ‘Bom dia’ no elevador. Sua colega de elenco, Lynn Collins, é moderadamente bem-sucedida retratando a princesa de Marte como uma mulher teimosa e guerreira cujos trajes ousados e avantajados exercem uma influência enorme no seu par. Por outro lado, Dominic West é aborrecidíssimo como um vilão que, bem, quer dominar tudo e todos e Mark Strong acaba retornando ao conforto rotineiro de suas atuações maliciosas depois de surpreender em ‘O Espião que Sabia Demais’.
As vezes ousado e sombrio na traumática imagem de corpos mortos levados à fogueira e uma decapitação que, apesar de envolver um personagem digital, é distinta nos padrões Disney, noutras vezes tolo e infantil especialmente na ideia de conferir cores aos heróis e vilões, ‘John Carter’ é uma aposta ousada, longa (25-30 minutos a menos não fariam falta), cara e divertida, porém incapaz de escrever seu nome junto de outros épicos memoráveis.
Crítico de cinema filiado a Critics Choice Association, à Associação Brasileira de Críticos de Cinema, a Online Film Critics Society e a Fipresci. Atuou no júri da 39ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo/SP, do 12º Fest Aruana em João Pessoa/PB, do 24º Tallinn Black Nights Film na Estônia, do 47º TIFF – Festival Internacional de Cinema em Toronto. Ministrante do Laboratório de Crítica Cinematográfica na 1ª Mostra Internacional de Cinema em São Luís (MA) e Professor Convidado do Curso Técnico em Cinema do Instituto Estadual do Maranhão (IEMA), na disciplina Crítica Cinematográfica. Concluiu o curso de Filmmaking da New York Film Academy, no Rio de Janeiro (RJ) em 2013. Participou como co-autor dos livros 100 melhores filmes brasileiros (Letramento, 2016), Documentário brasileiro: 100 filmes essenciais (Letramento, 2017) e Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais (Letramento, 2018). Criou o Cinema com Crítica em fevereiro de 2010 e o Clube do Crítico em junho de 2020.
16 comentários em “John Carter – Entre Dois Mundos”
Todos têm comentando deesse filme, mas ainda não o vi. Pelo que entendi, é um filme que divertirá, mas que não é marcante – acho que isso significa que eu devo ver, né?!
Não tenho grandes expectativas em relação a esse filme, mas sua crítica até me animou para assisti-lo.
Não é um filme ruim, definitivamente. Mas, com US$ 250 milhões alguém poderia fazer algo realmente marcante.
Hey, mas não gostei assim. Achei apenas bom.
Realmente não faz minha cabeça…
O Falcão Maltês
Ótima crítica, completíssima e muito bem estruturada. Eu não teria feito melhor de maneira alguma. =] E minhas opiniões sobre o filme já ficaram no meu blog mesmo.
Você gostou de Duna, Nahud?
Bem, obrigado! Espero que volte mais vezes.
o finalzinho sem sal viu afssss
john carter de marte!!! muito fodastico!!!!
critica totalmente contraria à minha opnião!!!
o filme eh ótimo e eu recomendo a todos!!!
*———–*
melhor filme da história!!!!
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Tudo bem que esse filme pode ter muitas coisas inspiradas de outros de ficção, mas para o ator que vivencia a trama já é uma viagem, imagina quem está diante da tela! Ser transportado para outra dimensão ou mundo paralelo pode ser demais para a cabeça. Filme ótimo, recomendo a todos.