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5 Descobertas do Festival de Toronto 2022, parte 1

O drama baseado em uma história real As Nadadoras, o terror Fixation, o exploitation Sisu, o estudo de personagem Runner e o documentário Theater of Thought estão neste rol inicial de obras descobertas no Festival de Toronto

As Nadadoras (The Swimmers)

O filme de abertura do Festival de Toronto é baseado na história real e edificante das irmãs sírias Yusra e Sarah Mardini, refugiadas na Alemanha, durante a guerra no país, onde treinaram para realizar o sonho de competir nas Olimpíadas do Rio de Janeiro. Embora As Nadadoras tenha debaixo do braço uma história igual a esta, não significa que saiba como a aproveitar. E desperdícios iguais a esse tendem a gestar filmes decepcionantes que acreditam que seu valor cinematográfico está no conteúdo (a história), não na forma (o modo de contá-la). 

Para se ter uma ideia, os melhores momentos de As Nadadoras são aqueles que recorrem a fatos impossíveis de serem ignorados, como o cemitério de coletes salva-vidas no litoral grego, a ocupação no aeroporto de Tempelhof, o objeto do documentário THF: Aeroporto Central, de Karim Aïnouz, e a angústia e o desespero dos refugiados durante a travessia do mar mediterrâneo. Nestes momentos, a diretora Sally El Hosaini apela à humanidade do espectador de forma direta, criando o peso dramático que falta ao restante da narrativa. 

À narrativa falta a disciplina que um atleta olímpico deve ter, pois a superficialidade no mero ato de mostrar ou de refletir e questionar serviam à finalidade de retratar a trajetória heróica e de superação das dificuldades de Yusra e Sarah Mardini, sem se aprofundar, a exemplo da unidimensionalidade do treinador alemão vivido por Matthias Schweighöfer. Isto resulta em um ritmo inconstante, considerada a duração de 134 minutos, sem a construção de uma base sólida em que o espectador sinta que há ameaças ao destino das personagens (saber o fim da história, neste caso, prejudica porque torna o filme refém de chegar no momento da Olimpíada). 

Além do mais, Sally se mostra indecisa entre o tom realista e onírico. É natural que uma jovem adulta recorra à poesia do mundo fantástico para enfrentar a realidade em que está, só que a direção torna casual a introdução desses momentos que, embora belos, terminam por super-simplificar uma história ímpar. 

Direção: Sally El Hosaini

Roteiro: Jack Thorne

Elenco: Manal Issa, Nathalie Issa, Matthias Schweighöfer, Ali Suliman, James Floyd

As Nadadoras estreia no catálogo da Netflix em novembro. 

Fixation

A estreia na direção de longas-metragens de Mercedes Bryce Morgan é o típico terror em que o espectador anda em círculos em torno de si, no esforço de decifrar se Dora (Maddie Hasson), a paciente de um hospital psiquiátrico heterodoxo, condenada por um assassinato que não lembra de ter cometido, é ou não culpada e, mais importante, está no mundo real ou imaginário. 

Inúmeros elementos de linguagem cinematográfica são empregados, até de maneira jovial e juvenil, como a alternativa para proporcionar uma terapia de choque para que Dora lide com o trauma (ou que seja torturada pela equipe do hospital, liderada pela médica interpretada por Genesis Rodriguez). A movimentação errática da câmera, a edição sonora e a opção por enquadramentos inusitados vão ao encontro da opção estilística da diretora de criar um pesadelo alucinatório em que as regras de linguagem cinematográfica podem ser alargadas.

A direção enfatiza a centralidade do olhar, considerados os planos-detalhe nos olhos da protagonista e também dos animais empalhados, que testemunharam o que de fato deve ter acontecido. Isto obriga o espectador a ser o intérprete do que é o real detrás das camadas do tratamento, rendendo à conclusão de que não encontrará o que procura, salvo se aceitar a arte cinematográfica como um meio de comunicação de sentimentos não materializados com facilidade em palavras, apenas em imagens. 

Contudo, se Fixation mantém unidade dentro dessa convulsão imagética, chega o momento em que tem que oferecer uma satisfação ao espectador das perguntas conservadas sem respostas (não que Mercedes Bryce Morgan precisasse). É o momento em que a narrativa introduz imagens sugestivas e explicativas, como se o tratamento houvesse chegado a uma catarse, e atenta contra esta forma alucinatória adotada, que nunca chega ao seu potencial máximo, em um desfecho morno e desapontante. 

Direção: Mercedes Bryce Morgan

Roteiro: William Day Frank

Elenco: Maddie Hasson, Genesis Rodriguez, Atticus Mitchell, Stephen McHattie

Não há data de estreia de Fixation nos cinemas ou nos serviços de streaming

Sisu

Nos letreiros iniciais deste tradicional filme exploitation, exibido na sessão de Meia Noite do Festival de Toronto, um letreiro explica qual o significado do termo finlandês Sisu: uma forma de coragem e determinação inimaginável diante das probabilidades apresentadas, quando um explorador (Jorma Tommila) descobre um veio de ouro em uma região no norte da Finlândia, objeto de desejo de um exército derrotado de alemães nazistas encabeçado pelo comandante Bruno (Aksel Hennie). 

Eles contra ele. A narrativa está subdividida em capítulos que remeteriam imediatamente a Quentin Tarantino deste a tipografia da fonte amarela, caso o diretor não tivesse baseado sua carreira em roubar de todos os filmes que viu. A questão é que Sisu é divertido à beça, uma obra que não se compromete senão com o entretenimento proveniente do ato de matar nazistas da forma mais cruel e inventiva possível. O cenário é desértico, inabitado e hostil, em que há apenas uma estrada percorrida pelo exército nazista contra o qual o protagonista se coloca em jornada depois de não ser deixado quietinho, como tinha ficado desde o ínico da guerra. 

Basicamente, Sisu se apoia na capacidade do diretor Jalmari Helander em elaborar algumas set pieces ao mesmo tempo cômicas, em razão da excessiva suspensão da descrença, e ainda violentas e sanguinárias, no típico filme de um exército de homem só na maior parte do tempo. E é maior porque Jalmari ainda acena à Mad Max: Estrada da Fúria ao introduzir mulheres que também têm razões para se vingarem dos nazistas. 

Sisu é um entretenimento direto e ciente do potencial, até porque quão divertido deve ser assistir a nazistas morrerem de maneira cruel e elaborada?

Direção: Jalmari Helander

Roteiro: Jalmari Helander

Elenco: Aksel Hennie, Jack Doolan, Jorma Tommila, Mimosa Willamo, Onni Tommila

Não há data de estreia de Sisu nos cinemas ou nos serviços de streaming

Runner

Haas, o apelido da personagem-título, significa coelho ou corredora. É a ironia do roteiro de estreia em longas-metragens de Marian Mathias, um estudo de personagem a respeito de uma vida estática, em uma comunidade rural precária e em uma família emocionalmente estéril composta apenas pelo pai solo (Jonathan Erickson Eisley). Ele tenta convencer um morador com recursos financeiros a investir no setor imobiliário e, diante da recusa, decide ir beber no bar local mas sofre um acidente fatal em casa, deixando à Haas uma herança de dívidas e a obrigação de enterrar seu corpo em Illinois. 

A fim de cumprir o desejo do pai, Haas (Hannah Schiller) deve deixar a casa ameaçada de desapropriação e se movimentar, em um ato que rompe a estaticidade e o formalismo extremo da direção, que aproxima o espectador em direção ao polo da reflexão. Contudo, a direção faz isto sem apagar a componente emocional de Haas, evidenciada em planos em que nada acontece e, portanto, não há vida. Enquanto isto, a comunidade sempre é vista de costas diante da casa da família, embora, dentro da igreja, seja retratada entoando hinos e comungando de frente, na falsa aparência de cristandade. 

Esse formalismo esfria a emoção, mas não a apaga. Eu tendo a apreciar obras assim, em que os personagens se comunicam através de atuações distanciadas e melancólicas – pois são jovens introspectivos, com vidas enrijecidas e carentes de felicidade. Além do mais, as decisões formais preenchem os silêncios (ao colocá-los encarando o lado esquerdo), os temas repetidos promovem o desencanto com a promessa de mudança (Will vai à taverna da mesma forma que o pai de Haas) e a simbologia é sugestiva, ainda que óbvia às vezes, então não há prejuízo ao espectador em uma comunicação indireta e simbólica coerente com o comportamento de Haas. 

Assim, o céu nublado – que ficará claro no momento adequado – é a expressão da necessidade de transformação de uma jovem que deve aprender a se movimentar, nem que para isto deixe para trás a casa onde cresceu, por ser a alternativa para evitar cair na mesma armadilha onde o pai caiu e sobreviver além da imagem opressiva proposta pela direção. 

Direção: Marian Mathias

Roteiro: Marian Mathias

Elenco: Hannah Schiller, Darren Houle, Jonathan Eisley, Gene Jones

Não há data de estreia de Runner nos cinemas ou nos serviços de streaming

Theater of Thought

Apesar de ser um ótimo diretor de ficções, é no documentário que Werner Herzog encontra a melhor maneira de expressar a sua curiosidade, com senso de humor e pertinência. Após explorar cavernas pré-históricas (A Caverna dos Sonhos Esquecidos), vulcões (Visita ao Inferno) ou o que move um homem a habitar junto a ursos (na obra prima O Homem Urso), o diretor volta o olhar aos processos cerebrais humanos (e animais) e investiga onde está o conhecimento sobre a parte mais misteriosa do corpo humano. 

Werner Herzog tem um humor áspero e malicioso, potencializado pela voz rouca com que narra seus documentários. É que o espectador zero da obra dele é ele próprio, empregando a mídia documental como um meio de aplacar seu apetite por conhecimento enquanto torna a experiência agradável ao público geral. Assim, o humor do diretor serve ao propósito de conferir autoria ao tipo de filme habitualmente tido como imparcial (erroneamente, diga-se) e atenuar o excesso de informações, algumas das quais incompreensíveis à pessoa média. A brincadeira envolvendo a deformação dos dedos mindinhos, a inserção do popular vídeo de Baby Shark ou o instante em que interrompe a explicação da equação quântica para afirmar não ter entendido bulhufas suavizam esse passeio pela mente humana. 

Que, no restante do tempo, acompanha os avanços tecnológicos em múltiplas frentes de conhecimento, realizados por cientistas ou mesmo entusiastas bilionários que abrem seus laboratórios (e suas mentes) em conversas informais e descontraídas. E até nos instantes em que Werner não sabe bem o que perguntar aos entrevistados (a exemplo do casal de cientistas no banco do parque), não falta ao diretor a habilidade de nos entreter. 

De modo geral, a investigação é vasta, não sistematizada, e salta de aplicações médicas da exploração do cérebro (que permitem a movimentação de pacientes com Parkinson ou o controle de um braço mecânico por uma paciente paralisada) a questões éticas e legais que podem estar relacionadas à habilidade de criptografar e decodificar o conteúdo que há nos pensamentos das pessoas. Não faltam curiosidades acessórias do mundo animal, como a apresentação da hidra, um animal imortal, ou a forma de conversa dos papagaios em língua humana ou os ratinhos que tentam sobreviver a labirintos virtuais. 

Mais do que reportagem científica, Theater of Thought é a obra de um cineasta octogenário curioso, explorado e interessado em conversar. Um homem que não teria empecilho algum em sentar ao lado de um sujeito no parque, conversar sobre seu campo de atuação com um senso de humor e propósito e a capacidade de tornar este encontro em algo que mereça 110 minutos de nossa atenção. 

Direção: Werner Herzog

Não há data de estreia de Theater of Thought nos cinemas ou nos serviços de streaming

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