Revelando-se um projeto direcionado às fãs da cantora (as Katycats) e, quem sabe, a outros dispostos a serem cativados por sua bizarrice, o documentário dirigido por Dan Cutforth e Jane Lipsitz acompanha a turnê mundial realizada em 2011 que, segunda uma reportagem, “foi um ano de sucesso e desilusão amorosa”. Composta por centenas de trabalhadores viajando em 7 ônibus e uma infraestrutura dividida em 16 caminhões, a turnê apresenta a visão alegre e colorida de um mundo de conto de fadas, ainda que na vida real as coisas nem sempre funcionem da maneira com que Katy Perry idealizara (o que ela vem a aprender dolorosamente).
Antes disto acontecer, a cantora Katy Perry surge como uma personagem extravagante (somente menos do que a concorrente Lady Gaga que surge bem ao seu estilo em uma divertida ponta), espirituosa (verdadeiramente se divertindo no palco ao invés de apenas encenar coreografias), e atenciosa com os fãs, o que a leva a romper a barreira que a separa do público, seja convocando alguns escolhidos para dançar com ela no palco, seja mantendo a rotina de, mesmo exausta, recebê-los carinhosamente para fotos e autógrafos. É fácil portanto se empolgar com a doçura da amalucada Katy Perry e entender a admiração emanada em depoimentos caseiros e mensagens enviadas pelo Twitter de fãs que foram tocados por sua mensagem de abraçar a originalidade e as diferenças.
Além da mensagem pertinente, Katy tem o que se espera de uma boa cantora: uma bela voz e um ânimo envolvente somados a um jeito inocente que torna as suas canções, algumas com óbvia conotação sexual, em rimas inofensivas. Mais do que febre momentânea, o seu talento explica como ela emplacou 5 singles de um mesmo álbum no top 1 (feito igualado apenas por Michael Jackson e que nem Madonna ou Os Beatles atingiram), e no cenário repleto de pirulitos gigantes e trajando figurinos inspirados nos contos de fadas, Alice e Mágico de Oz, os melhores momentos são aqueles em que a cantora solta a voz nos sucessos California Gurls, Firework e The One That Got Away.
Porém, se Katy Perry tem um tratamento satisfatório, Katheryn Elizabeth Hudson, a mulher detrás da maquiagem, não tem a mesma sorte. Apresentada da infância até o divórcio com o ator Russell Brand, o documentário mal arranha a sua história (o título “uma parte de mim” parece adequado), provendo informações rigidamente controladas. Neste sentido, a câmera ao invés de revelar, mostra-se um empecilho nas entrevistas parciais e demasiadamente elogiosas: os seus pais, pentecostais rígidos que a proibiram de assistir a desenhos como Smurfs, ouvir Michael Jackson e de fazer praticamente tudo sob a desculpa de que a independência e o feminismo eram coisas do diabo (o que acaba justificando a rebeldia e o exibicionismo), rendem-se ao sucesso da filha, e seu pai chega a revelar ter temido que os seus 30 anos de ofício de pastor estavam ameaçados para, em seguida, afirmar nunca ter tido quaisquer problemas enquanto desfila uma jaqueta vermelha, cavanhaque e um enorme crucifixo prateado. Já a sua mãe a chama de benção, embora deteste um de seus primeiros sucessos, I Kissed a Girl.
Por sua vez, ao traçar os (poucos) passos de Katy rumo ao estrelato, de cantora gospel à clone de Avril Lavigne, o documentário enfatiza a imagem de obstinada e predestinada e diminui o esforço de quase uma década para lançar um single. A decisão de adotar um alter-ego pin-up também é mal explorada, bem como o relacionamento com Russell Brand e os verdadeiros porquês do término presos à desculpa padrão das assessorias de imprensa: “diferenças irreconciliáveis e agendas conflitantes”. Contudo, a câmera ocasionalmente captura instantes que conferem certa profundidade à personagem, como o olhar desdenhoso e desapontado durante a prova do vestido de noiva da irmã (após o seu conto de fadas não ter tido o desfecho sonhado) e a vergonha de pedir dinheiro emprestado ao irmão mais novo.
Além disso, como não se afeiçoar por alguém cuja vibração e empolgação aparentemente inesgotáveis vacilam diante do cansaço e tristeza, revelando uma mulher mais frágil e humana do que se pensaria conhecer. O que nos remete ao momento bonito e melancólico quando, ascendendo ao palco no show de São Paulo com os olhos marejados, a cantora é obrigada a mudar radicalmente o semblante e ensaiar um sorriso, símbolo do seu profissionalismo e dedicação ao público. Demonstrando um carinho recíproco, seus fãs retribuem com mensagens de esperança ilustradas nos prédios da cidade em uma sequência visualmente inspirada.
Apesar de ser claramente um projeto de marketing pessoal e manter as posições assumidas do primeiro parágrafo, e ainda, não tendo me tornado um novo KatyCat, pelo menos sempre que escutar uma canção na rádio não vou associar imediatamente a personagem de Katy Perry. Mas sim, vou enxergar a mulher que batalhou desde criança para transformar em realidade os seus sonhos bizarros e, mesmo traída por uma ideia romântica, manteve-se fiel à mensagem enviada ao público: autenticidade, diversão e uma pitada de loucura.
Crítico de cinema filiado a Critics Choice Association, à Associação Brasileira de Críticos de Cinema, a Online Film Critics Society e a Fipresci. Atuou no júri da 39ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo/SP, do 12º Fest Aruana em João Pessoa/PB, do 24º Tallinn Black Nights Film na Estônia, do 47º TIFF – Festival Internacional de Cinema em Toronto. Ministrante do Laboratório de Crítica Cinematográfica na 1ª Mostra Internacional de Cinema em São Luís (MA) e Professor Convidado do Curso Técnico em Cinema do Instituto Estadual do Maranhão (IEMA), na disciplina Crítica Cinematográfica. Concluiu o curso de Filmmaking da New York Film Academy, no Rio de Janeiro (RJ) em 2013. Participou como co-autor dos livros 100 melhores filmes brasileiros (Letramento, 2016), Documentário brasileiro: 100 filmes essenciais (Letramento, 2017) e Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais (Letramento, 2018). Criou o Cinema com Crítica em fevereiro de 2010 e o Clube do Crítico em junho de 2020.
4 comentários em “Katy Perry: Part of Me”
Mantive-me prisioneiro às mesmas indagações que as suas no primeiro parágrafo e decidi não assistir ao filme nem por curiosidade. Até o final do ano já estará na programação do Disney Channel, pode anotar.
Brincadeiras à parte, eu simpatizo com a figura de Katy Perry. Conheço pouquíssimos singles da cantora, mas o pouco que li a seu respeito, apesar do kitsch infantil, justifica o fato de ser um fenômeno pop atual.
Abs!
Realmente temos uma séria discordância no quesito humano e personagem, mas alguns raciocínios são os mesmos. E vendo as discussões que foram levantadas acerca do longa-metragem e os preconceitos que foram espalhados como se não houvesse amanhã, levantou-me um ponto interessante e otimista (apesar de tudo): mesmo que há pessoas que preenchem suas cabeças com achismos e pensamentos vazios, há outros que vão por outros caminhos e nisso que devemos focar.
Orgulho-me de não ter essas restrições (ainda que ache inconcebível alguém criar julgamentos antes de ver algo finalizado) e ainda mais por ter conhecido pessoas como vocês, pessoas que tem o mesmo pensamento.
Abraço,
Andrey.
Acho que a única cantora pop que ouço com uma frequência considerável é a Katy Parry (admiro Adele e Christina Aguilera, tanto quando Fiona Apple, mas não ouço nenhuma direito). Um amigo me apresentou e, inclusive, fiz piada com ele no ocasião. Depois ouvi e achei extremamente divertido, embora contenham letras estúpidas. E, obviamente, o físico de Katy colabora…
Portanto, quis ver o documentário desde quando foi anunciado. Infelizmente, por ser em 3D, fica muito caro pra mim. Só em casa!
perda de tempo, pra quem não é fã.
eu particularmente detesto ela.
acho ela muito fake.