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Rosalie

3.5/5

Rosalie

2023

115 minutos

3.5/5

Diretor: Stéphanie Di Giusto

Em frente ao espelho, antes de ser dada em casamento pelo pai ao calejado Abel, a doce Rosalie implora: faça com que ele me ame. A súplica poderia ter iniciado com espelho, espelho meu. Isto porque o drama fantástico escrito pela diretora Stéphanie Di Giusto (de A Dançarina) juntamente a Sandrine Le Coustumer, livremente inspirado em uma história real, adota a forma de conto de fadas que subverte A bela e a fera, enquanto ainda conserva a essência da crítica àqueles que acreditam que a aparência é reflexo do interior.

É que Rosalie (Nadia Tereszkiewicz) tem uma doença, a hipertricose, que causa o crescimento exagerado de pelos no corpo. Ela é a fera, ao olhar das pessoas da vila onde mora, e é também a bela, apaixonada por leitura, escrita e em se doar em sacrifício a terceiros. Ainda que inicialmente rejeitada pelo marido, Abel (Benoît Magimel), Rosalie traça um plano para ajudá-lo a saldar a dívida com o dono de uma indústria local e patrono da igreja comunitária, Barcelin (Benjamin Biolay). Ela decide empregar a aparência, que antes escondia, como o chamariz para atrair clientes ao café e bar abandonado por Abel.

O resultado é exitoso: Abel começa a quitar a dívida que ameaçava a propriedade e Rosalie, a enfrentar o pesadelo que a atormenta à noite. Desde o momento em que aceita a si mesma, Rosalie torna-se uma integrante ativa e admirada da comunidade. Contudo, nada é simples: a autoaceitação é um processo demorado e com reveses. Abel ainda hesita em enxergá-la como mulher, Barcelin e a comunidade religiosa a qual patrocina perseguem-na. 

Apesar de ser um conto de fadas, não há natureza que socorra Rosalie, não há a típica expressividade que oferece a esperança de um fim feliz, mesmo dentro da floresta sombria. A propriedade de Abel é o reflexo de sua personalidade: de tão machucada, acanhou-se na sombra, tornou-se inexpressiva. Rosalie adiciona beleza, na forma de flores e luzes, porém não o bastante para avivar o espírito do marido. A fotografia de Christos Voudouris realça o interior da propriedade e a hostilidade do vilarejo, apelando à aparência nublada e neblinas a fim de retratar o obscurantismo de quem prega a união e o perdão, mas se apressa em julgar.

A propósito, a narrativa recorre a elementos contemporâneos a fim de evidenciar a violência a que Rosalie está submetida, a exemplo da distribuição sem autorização de fotos íntimas (ao menos considerada a época). E não há muito que a altiva e determinada, mas sozinha, Rosalie possa fazer contra o rebanho que dança a música tocada pela igreja e, em última análise, por Barcelin. Mesmo os aliados de Rosalie temem a represália do meio em que estão e evitam apoiá-la. À distância, Abel tampouco pode reagir. 

Gosto do trio central de atores, ainda mais pelo roteiro não tentar forçá-los em arquétipos: Rosalie não é virginal como a típica protagonista de contos de fadas e as cicatrizes na pele revelam são reveladoras de sua autoestima; Abel, embora covarde, falho e muito longe do estereótipo do príncipe encantado, é um homem justo e honrado; e Barcelin é ilustrativo da relação inapropriada entre o capital e a religião, embora demonstre alguma vulnerabilidade. 

Estes personagens são organizados no melodrama de Stéphanie Di Giusto, que derrapa no fim ao rejeitar o desfecho na forma da promessa feita por Rosalie (quem viu entenderá), em favor de uma conclusão poética, que retira Abel da inércia em que esteve a narrativa toda, e parece conduzir à ideia de que a obra é sobre ele tanto quanto ela, como A bela e a fera. E, não, Rosalie é ambas as figuras e é este encaixe que a torna a personagem vibrante que é. 

Crítica publicada durante a cobertura do Festival de Cannes de 2023

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