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Crítica | Passageiros

Passageiros

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No futuro, a quadrilionária corporação Homestead oferecerá a possibilidade de habitar em colônias estabelecidas em planetas a anos-luz da Terra, após uma viagem que atavessa galáxias por cerca de 200 anos, período em que os passageiros e tripulantes hibernam em pods, imunes aos efeitos do envelhecimento até chegarem ao destino. Convenientemente batizada de Avalon, a espaçonave, automatizada e desenvolvida para se reparar sem intervenção humana, ao atravessar um cinturão de corpos celestiais (se são asteroides ou meteoros, os físicos espaciais podem responder melhor), é danificada de tal modo que acarreta o despertar, antecipado, do mecânico Jim (Chris Pratt) e, indiretamente, da escritora Aurora (Jennifer Lawrence). Restando 90 anos para chegarem a Homestead II, incapazes de retornar à hibernação ou mesmo de estabelecerem contato com a Terra – a mensagem demora 15 anos para chegar ao destino (e outros 55 para ser respondida), o que, somado com o fato de que os passageiros acordariam 4 meses antes de chegar à colônia, põe em cheque essa funcionalidade, no primeiro de muitos furos do roteiro -, Jim e Aurora apenas têm um ao outro, até esta descobrir o segredo que aquele guarda consigo.

O roteiro de Jom Spaiths (de Doutor EstranhoPrometheus e dos inéditos A Múmia Van Helsing) passeia, de lá para cá, semelhante aos anéis pendulares da nave, entre o romance e a ficção-científica, e em ambos falha miseravelmente, inapto a responder as perguntas mais banais e pertinentes ao último gênero ou então de estabelecer, de modo convincente, as bases do relacionamento entre Jim e Aurora. E é difícil, para mim, prosseguir na crítica sem abordar o aspecto vital da trama que estabelece o conflito sobre o qual ela é desenvolvida, para uns, portanto, um spoiler. Vamos lá: Aurora não é desperta pela colisão, e sim por ação de Jim que, incapaz de afogar-se sozinho, resolve arrastar ela consigo, em uma demonstração não apenas de egoísmo mas de sexismo, pois o que move Jim é, na verdade, o amor platônico que desenvolveu por ela e pelo que ela escreveu, uma espécie de stalker espacial.

Embora tenha combatido, durante meses que duram segundos na narrativa, o ímpeto de acordá-la da hibernação, Jim, enfim, entrega-se ao desejo de ter consigo uma companhia feminina, similar ao que faria o homem pré-histórico das tirinhas de humor ao bater, com a clava, na cabeça de uma possível parceira sexual e arrastá-la, inconsciente, para dentro de sua caverna. Sua decisão nem é moralmente questionável por causa da situação em que se encontrava, é simplesmente errada, e equivale ao assassino ou estuprador que, relutante, acumula coragem para cometer seu crime hediondo. De Aurora, Jim não roubou apenas a vida, mas também seu futuro, sonhos, projetos, e por quê, senão para saciar desejos primitivos? Assim, presos um ao outro, literalmente, e ciente de que Chris Pratt é o último homem que verá, não demora para que desperte um romance, frutificado a partir de um árvore apodrecida, não de uma “felicidade acidental” como crê Aurora.

A narrativia dirigida por Morten Tyldum (de Headhunters O Jogo da Imitação) poderia empregar a ficção-científica como o instrumento para criticar o comportamento masculino exibido por Jim, e refletido mundo afora. Porém, em vez de enfrentar o elefante no meio da sala, a trama covardemente enxerga Jim como uma vítima, não o monstro que é, fruto das circunstâncias é verdade, mas não menos repugnante por causa delas. A narrativa, em vez de desmascarar Jim, é condescendente, limita-se a dar tapinhas nas suas costas e argumenta a posição de que a ação foi justificável através do argumentum ad verecundiam (o apelo à autoridade, masculina frise-se, como maneira de encerrar qualquer discussão). Ora, o próprio nome da personagem, Aurora, emprestado de A Bela Adormecida, é esclarecedor: a trama vê em Jim o príncipe encantado que salva a princesa da bruxa má, não o dragão que a quer devorar.

E ainda que pudéssemos deixar de lado a imoralidade da narrativa, Passageiros, como ficção-científica inicialmente promissora, abandona a física, a biologia e as regras da narrativa para entregar-se à mediocridade nos 30 minutos finais quando, cena após cena, o filme esforça-se para se superar em matéria de estupidez: as explosões nucleares inofensivas, a função de localização convenientemente inserida nos trajes, a milagrosa seleção de todas as opções do AutoDoc (você saberá do que estou falando) ou a inserção do número de identificação, gaguejado e incorreto, mas ainda assim compreensível por uma máquina, ilustram todo o descuido do roteirista Jon Spaiths que jogou os braços para cima enquanto escrevia o desfecho.

Sim, a ideia de reunir dois dos atores mais rentáveis de Hollywood, Chris Pratt e Jennifer Lawrence, em um romance intergaláctico parecia uma boa ideia, e ambos não estão mal: ele encarna a angústia e o subsequente arrependimento da decisão tomada – ao menos até a narrativa provar-lhe que não é o vilão – e ela, antes de ligar o modo overacting do terceiro ato e acreditar que Jim não está errado, justifica o apelo que tem.

Entretanto, do quê isso adianta se Passageiros acredita, piamente, ser um conto de fadas intergaláctico, crente que o amor redime todos os pecados, quando na verdade deturpa o significado deste sentimento e reforça a doutrina machista de que o sexo oposto só existe para satisfazer as necessidades masculinas, custe o que custar?

[star]


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