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Rocketman

Rocketman

121 minutos

Eu gostaria de não precisar comparar Rocketman com o vencedor de 4 Oscars Bohemian Rhapsody, mas é inevitável que o faça, sobretudo porque as produções parecem integrar um mesmo universo cinematográfico sobre músicos revolucionários. A começar pelo fato de o diretor da cinebiografia de Elton John, Dexter Fletcher, ser quem substituiu Bryan Singer após sua demissão, havendo ainda como elemento comum a estrutura inconfundivelmente convencional de ambas as tramas. Contudo, as semelhanças param por aí, pois nos pontos em que a premiada biografia de Freddie Mercury e do Queen esmorecia como uma pálida versão de quem aqueles realmente eram, este musical encanta e emociona com o glamour e a pompa dignos de seu homenageado.

Produzida pelo próprio biografado e escrita pelo dramaturgo Lee Hall, roteirista de Billy Elliot, Orgulho e Preconceito e Cavalo de Guerra, a narrativa inicia com a chegada de Elton John em uma clínica de reabilitação e é desenvolvida a partir das lembranças confidenciadas a pessoas anônimas iguais a nós, espectadores. À medida que avança em suas memórias para relatar sua derrocada no álcool, drogas e… compras, Elton desnuda-se literalmente diante do público: primeiro, os chifres são arrancados da fantasia; depois, o figurino por completo, até restar somente o homem, Reginald Dwight, não a figura pública vibrante e carismática. Esta simbologia é explícita, é verdade, apesar de isto não diminuir a tentativa vitoriosa de aproximar o cantor do público, como este faz quando emerge da luz, correndo em nossa direção, em uma discreta quebra da quarta parede repetida sutilmente na narrativa em outros instantes.

Enquanto a história é revelada, descobrimos que Reginald / Elton era um garoto iluminado dentro de um ambiente familiar desbotado e escasso em amor, senão oriundo da avó (Jones, calorosa). O drama central é, insistentemente, recapitulado em sua busca por um abraço do pai (Mackintosh) – eu sei, parece cafona – ou pela aprovação materna (Howard, de Jurassic World), e isto o impulsionou a caminhar em direção à autodestruição, com um empurrão do inescrupuloso John Reid (Madden, de Game of Thrones). Fiel ao seu lado, tão somente seu melhor amigo e compositor Bernie Taupin (Bell, de Billy Elliot). Assim, o que a narrativa tem de pior é o maniqueísmo novelesco com que retrata aqueles em órbita ao redor do estelar Elton, com momentos emocionais tratados com a mesma sutileza com que um elefante seguraria um lápis de cor, como por exemplo na cena em que seu pai carrega seus filhos de outro casamento no colo.

Por outro lado, é gratificante como o musical emprega suas músicas não apenas como meio para reconquistar o espectador, mas como verdadeiras peças diegéticas (ou seja, situadas no universo da narrativa) que dialogam mais com quem as canta do que conosco, dispensando sua exibição na íntegra para alcançar o efeito sentimental almejado pela direção. Isto ocorre com Goodbye, Yellow Brick Road, cujos versos ou acórdãos são inseridos em instantes bem específicos, ou I Want Love, interpretado por múltiplos personagens, o que confere sentido a cada verso.

São, porém, suas sequências musicais que mais nos contagiam. Tão bem planejados por Dexter Fletcher e montados por Chris Dickens (da adaptação musical e vencedora do Oscar de Os Miseráveis), estes trechos captam a energia emanada de suas canções e sua sinergia com a audiência, e traduzem-nas em composições visuais inventivas, estilizadas na medida certa e, o essencial, eficientes narrativamente. É o que acontece com a canção que intitula o filme, montada numa sequência eletrizante que também revela a rotina desumana de shows a que estava submetido e suas consequências nocivas.

Além de ser um Musical com ‘eme’ maiúsculo, desavergonhado, abrilhantado, repleto de personalidade e um permanente contraste entre a aura colorida e extrovertida e a fotografia acinzentada, melhor dizendo londrina, de George Richmmond, Rocketman nada seria sem a performance central de Taron Egerton (de Kingsman). É chavão, mas a sensação é a de que o ator nasceu para interpretar o cantor. Sim, Rami Malek reproduzia, corporalmente, quem era Freddie Mercury, embora fosse incapaz de, com isto, convencer-me de estar diante dele ou me emocionar. Isto não se repete com Taron, corajoso para assumir seu lado karaokê, em vez de apenas dublar, ao mesmo tempo em que possibilita ao público notar a fragilidade emocional de que se envergonhava – retratado, logo no início, na rima de um choro contido e escondido detrás dos óculos. Sua contraparte-mirim, Kit Connor, também impressiona, ao passo que Jamie Bell oferece uma performance simples, mas calorosa, e não seria absurdo imaginar que a dupla fosse indicada a prêmios no final do ano. Certamente fizeram por merecer.

Com diálogos que funcionarão melhor para quem tem predisposição a frases motivacionais (“Você tem que matar quem você é para se tornar quem deve ser”, “Se você não se importa com si mesmo, como espera que outros se importarão?”) e sub-tramas solenemente descartadas, como a envolvendo Renate Blauel, casada com o cantor por cerca de 4 anos e que mal ganha 4 cenas, Rocketman é uma ode à genialidade e criatividade, apresentando seu biografado de modo autêntico, sem censura, senões nem o receio de que possa ofender o tio careta ao lado. É, acima de tudo, uma história que ensina a amar a si próprio como remédio para enfrentar a solidão, auto-imposta inclusive, e nos impulsionar rumo ao local para onde sempre deveríamos ter voado.

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