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A Morte do Cinema e do Meu Pai Também

A Morte do Cinema e do Meu Pai Também

103 minutos

Texto publicado durante a coberta da 44ª Mostra de Cinema em São Paulo

A partir de certo instante de A Morte do Cinema e do Meu Pai Também, não sabia se assistia à ficção apocalíptica estrelada por Roni Kuban e Marek Rozembaum, à ficção metalinguística a respeito do processo criativo e produtivo em razão de um evento de força maior ou ao documentário entre o diretor Dani Rosenberg e seu pai, Nathan, e qual o efeito das trocas entre estes no resultado de A Morte do Cinema e do Meu Pai Também. Este não é apenas o terreno cinzento entre a ficção e o documentário, mas um exercício narrativo que potencializa ambas as experiências a partir do confronto constante do fato e da encenação. Mesmo o espectador desatento não terá dificuldade em discernir ficção do documentário, basta perceber o acabamento da fotografia e a decupagem para isto, e tampouco este parece ser o desejo de Dani Rosenberg.

Explorar o alcance da linguagem cinematográfica, sim, em como a interlocução e sintonia entre fato, encenação e ficção proporciona este misto de autocrítica e homenagem. Dani admite o egoísmo do artista em como mantém a câmera ligada filmando o pai, combalido no sofá e em recuperação após o retorno do hospital, e faz isto também através do alter ego, Assaf (Roni Kuban), quando relega o momento com a esposa grávida para dar continuidade ao projeto. Até na ficção propriamente dita, Assaf reúne motivos próprios para descrer e rejeitar a paranoia do pai em relação à eventual guerra de Israel contra o Irã. Mesmo que o conceito narrativo exija a interconexão entre película, fita VHS e câmera de celular, a síntese visual do experimento, a continuidade temática permanece intacta, e não tarda para que nos acostumemos com a narrativa, também muito graças à montagem de Nili Feller e Guy Nemesh.

Em vez de dispersiva, a narrativa demanda atenção, não para decifrar o artifício que individualiza o exercício diante de filmes híbridos parecidos, mas para que o diálogo natural entre as camadas componentes não seja desperdiçado. Enquanto filma o alter ego Yoal, vivido por Marek Rozembaum, ex. na procura do maço de cigarros sob o piano ou na dança ao escutar rock ‘n roll, a direção namora a ideia da memória, talvez, ou quem sabe da ficção alternativa, pois quem deveria estar no lugar de Marek era Nathan. Quem deveria ajudar o filho na busca do caro filtro da câmera perdido perto de casa, idem. Quem está ali então: o pai, o alter ego do pai ou o fragmento do pai a partir do ideário de Dani? E como estas figuras, alternativas, somam para criar o retrato fidedigno de Nathan.

A proposta atinge um patamar maior por Isa Rosenberg, mãe do cineasta, interpretar a si mesmo no filme, e experimentar a consequência da dor em haver o marido adoentado e desenganado e, ainda assim, dedicar-se à produção encampada pelo filho que a dirige a olhos vistos. A Isa sentada à beira da praia que ouve, pesarosa, a confissão do marido de que não conhecerá seu neto, é a mesma que está sentada na beira da cama, sozinha, na imagem que decanta a essência narrativa.

Existe a percepção de que a proposta é mais intelectual e filosófica em relação à matéria fílmica e à interpretação e/ou personificação, mas isto não mitiga somente acentua o compromisso emocional com esta história sobre o fazer cinema enquanto se relaciona com o pai e consigo, no labirinto onde ficção e documentário parecem ser a mesma coisa.

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