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Verlust

Verlust

110 minutos

Texto publicado durante a coberta da 44ª Mostra de Cinema em São Paulo

O cinema respira em imagens, não no texto. Contudo, não são composições construídas com esmero nem o design de produção caprichado que estabelecerão as relações emocionais com o espectador e preencherão o esqueleto deste edifício de imagens, mas os personagens. E não importa também que estes ganhem vida a partir do trabalho de atores talentosos, pois para que haja esta conexão entre arte e espectador, deve haver o ponto mínimo de identificação para que a trajetória de quem assiste encontre aquela de quem viva o enredo. Entretanto, quando a baleia encalhada defronte da mansão onde vivem Frederica e família é o ente mais humano na narrativa, algo errado houve.

Não que Verlust, o novo trabalho do talentoso Esmir Filho (criador e diretor de Boca a Baca) não tenha encontrado o drama no tema universal da frustração emocional e familiar e do sufocamento entre as paredes amplas do casarão modernista, cujas imensas esquadrias envidraçadas conferem a sensação falseada de transparência. Mas existe um aburguesamento das questões sentimentais que distanciam a experiência do espectador ao drama dos personagens. Um exemplo: o drama da filha adolescente, interpretada por Fernanda Pavanelli, que responsabiliza a mãe pelo esfacelamento da família e deságua esta represa emocional na ação ambientalista de resgate à baleia. Não é o animal, mas o ‘altruísmo’ de que ajuda-lo proporcionará algo bom a si que impulsiona a personagem, e este ciclo é repetido dentro do lar onde cada diálogo é calculado para impactar, embora nenhum pareça estar vivo. Igual aos personagens.

Por se tratarem de personagens que habitam um mundo utópico ao estilo Manoel Carlos, distantes da experiência brasileira não somente em função da riqueza acumulada, mas por terem desejado o isolamento, é natural que o trabalho de Esmir Filho em ancorá-los perto do espectador seja difícil. E se o confinamento, uma coincidência do tempo em que vivemos, não é bastante para isto, então qual seria quando há uma tentativa dos personagens em também confinar os próprios sentimentos de nós? Não basta ter Andrea Beltrão, uma das melhores atrizes da atualidade, ou Mariana Lima, que vive uma máscara de si mesma, em atuações poderosas tomadas individualmente, mas que não harmonizam dentro deste ambiente austero criado pela direção.

Se verlust significa perda, uma explicação que não demora a ser dada antes de remover o véu de mistério que havia na ideia do que seria um rosebud, a narrativa também exibe os sintomas de ter perdido a substância essencial da matéria artística, o seu coração se preferir. Cada passo dado dentro da mansão cuidadosamente idealizada para exprimir o vácuo no encontro do pé com o piso, ou a forma como a câmera balança nauseante para cá, para lá, como se estivesse sobre um navio, ou a textura avermelhada que carreia paixão ou desejo, ou mesmo a edição sonora do choro da baleia entreouvido dentro de casa e combinado com a trilha sonora, tudo isto é um irônico contraponto à escassez emocional da narrativa.

Do ponto de vista intelectual, aprecio as decisões criativas de Esmir Filho, um diretor consciente do que necessita para compor o quadro cinematográfico e de como articular o discurso intertextual de cinema, música e literatura. Infelizmente, quando penso na relação emocional, nada escavo na areia da memória senão as ondas que quebram no oceano sobre as pedras e remontam ao dilema exibido na figura do cetáceo, cujo confinamento indesejado é acompanhado do questionamento: este ser deseja retornar ao oceano ou apenas espera a morte? Em ambos os casos, deve lamentar aquilo que testemunhou nesta mansão onde tudo vemos, mas nada sentimos.

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