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Limite (1931)

Limite

120

por Alvaro Goulart

Limite por ser o primeiro longa brasileiro já tem o seu lugar de destaque. O ponto central do filme é a tragédia humana; 3 indivíduos convergem num espaço limitado: um barco à deriva. O escapismo da natureza humana se manifesta nas figuras de uma mulher que cometeu um crime e escapou do cárcere, um homem cuja amante era enferma e uma outra mulher que fugia do casamento com um homem bêbado e violento.

O construtivismo soviético é uma clara inspiração à montagem do filme. O raccord entre as rodas de um trem e o rolamento da máquina de costura ou o plano detalhe na tesoura, seguido da manchete de jornal sobre a fuga da prisão ilustram essas decisões formais acadêmicas. O recorte do filme de Chaplin fugindo da prisão por um buraco subterrâneo é um uso criativo de um recurso visual narrativo que daria inveja à Tarantino.

O filme não perde a textura do expressionismo alemão por trocar os cenários estilizados com formas distorcidas por locações. Talvez aquela Mangaratiba de época reforce ainda mais o aspecto onírico do filme. Existe também uma teatralidade que inspira o comportamento corporal dos personagens no barco e toda uma escolha de ângulos de filmagem menos ortodoxos e que provocam um certo incômodo ao expectador por seu caráter antinatural.

O longa se inspira pela lógica da dualidade: o tempo atual e o tempo passado; inércia e ação; vida e morte. Tudo metaforizado em dois cenários: o mar e a terra. Enquanto as memórias reprisadas se passam em terra firme, onde vemos o passado de nossos personagens, seres ativos. No mar, os mesmos estão à deriva, inertes. O mar é a manifestação de todo pulsão de morte presente na alma das figuras do barco: a desistência; o cansaço; a desgraça. O barco por si só já nos transporta ao mito de Caronte e a passagem ao mundo dos mortos.

A abertura do filme sugere um tom purgatorial ao mostrar águas calmas reluzindo a luz do sol – tal qual o efeito “Komorebi”: a luz solar transpassando o farfalhar das folhas na copa das árvores. Apenas no fim nos deparamos com águas revoltas, agitadas, uma última tentativa de nossa escapista ao reencontrar seu desejo de viver. Em seguida, a imagem mais forte do longa: a mulher e suas mãos algemadas. Mais do que o cárcere, o sentimento de estar confinado à própria desgraça. E por fim, a mesma mulher agarrada aos restos do barco e sua imagem aos poucos se confundindo a das águas iluminadas: sua morte.

A música de fundo também sugere uma melancolia. Seus acordes dissonantes, amenos em contrastes à harmonia, ilustram os momentos no barco. Novamente temos um reforço da consistência onírica e também purgatória ao qual o filme nos remete.

Limite é uma obra cinematográfica a ser cultuada principalmente pelo seu caráter histórico. É uma pena que um trecho tenha sido perdido. Mas seu ritmo e duração por si só já podem ser um desafio. Mas aqueles que submergem na experiência e procuram decifrar cada símbolo presente em suas películas pode encontrar um momento de deleite. Sua construção é mais sensorial do que narrativo dada sua natureza experimental. Talvez, alguns sentimentos não podem ser descritos. Eles apenas se expressam. E é isso que Limite nos apresenta.

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