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O Esquadrão Suicida

O Esquadrão Suicida

132 minutos

Esta crítica contém spoilers!

Não é difícil entender que o conceito é o motivo de Esquadrão Suicida ter figurado na lista de piores filmes de 2016 de muitos críticos, e de este reboot dirigido por James Gunn (Guardiões da Galáxia) estar recebendo elogios rasgados. Enquanto a versão de David Ayer tentou gourmetizar vilões em heróis e, por isto, optou pela classificação indicativa PG-13, esta entende que, quando muito, só existem anti-heróis onde quer que vejamos, que pensam só no próprio umbigo e praticam atos de violência e brutalidade (estilizada, é verdade) para permanecerem vivos. O compromisso de James Gunn não está em tornar seus personagens palatáveis para a maior audiência, mas de torná-los autênticos, nem que precise restringir seu público à classificação indicativa R (adolescentes só acompanhados de responsáveis).

A mudança do conceito provoca resultados expressivos desde a cena inicial, em que Sábio (Rooker) não hesita antes de esmagar o pássaro que assobiava no pátio da prisão, como um aceno irônico a Yondu, personagem que viveu no universo cinematográfico da Marvel e que manipulava uma flecha da mesma forma. Daí em diante, Esquadrão Suicida permanece com o pé fundo no acelerador e ignora quem ou o quê está na frente: se uma mulher com um carrinho de bebê ou se uma árvore. A invasão na praia de um país na América Central é o marco do tom intenso, violento e bem humorado utilizado pela narrativa, ao descartar vilões dos mais curiosos com a mesma velocidade em que os apresenta. Quem ganha com isto é o governo americano, na figura de Amanda Weller (Davis), premiada com a missão secreta concluída sem que a opinião pública saiba do envolvimento ou com a morte de meia dúzia de párias.

Neste sentido, o roteiro de James Gunn é o mais político que já escreveu, quando recorda a interferência externa americana nos governos dos países ao sul, e a opacidade imposta às provas que confirmam a agência do país em fabricar instabilidades políticas e instalar regimes ditatoriais. Por mais que o roteiro expresse esta crítica com o mesmo jeito sutil de Nanaue, o Rei Tubarão (Stallone), ainda merece elogios em recordar a prioridade dos Estados Unidos: não o bem estar dos habitantes da ilha fictícia de Corto Maltês, mas apenas destruir as provas que incriminariam o país no caso. Enquanto elabora isto, James Gunn é habilidoso em desenvolver os elementos humanos da trama: a relação pai e filha – a partir da simetria entre Bloodsport (Elba) e a Caça-Ratos 2 (Melchior) – e o sentimento de propósito e pertencimento decorrente da integração temporária da equipe.

Esta construção não é feita com a pieguice do Pistoleiro de Will Smith, mas com a aspereza de Bloodsport. E estes momentos de leveza, que permitem a identificação do espectador, não ofuscam o caos positivo da narrativa: são múltiplos (sub)gêneros que dialogam entre si em uma mesma língua, em umuniverso de referências que passeia pelo Homem Elefante (a deformidade de Bolinha), Alien (a máscara de Bloodsport), A Vingança de Willard (na Caça-Ratos 2), Embalos de Sábado a Noite (ou o chileno Tony Manero dado o caráter edipiano da cena), Watchmen (e sua lula gigante), o cinema de princesa da Disney, os zumbis de George Romero e a lista poderia crescer indefinida. Estas referências não parecem ato de vaidade, mas, de forma reverente e humilde, auxiliam na construção da missão fragmentada que é a dos personagens (envolvidos em side-quests, inclusive, as missões paralelas dos games).

A anarquia não acaba aí. Manifesta-se na movimentação da câmera, com aproximações que dirigem rapidamente a atenção do espectador dentro do cenário de guerra. Manifesta-se em diálogos chulos, que esboçam críticas à masculinidade frágil na rixa entre o Pacificador (Cena, cuja camisa polo é o figurino que veste suas intenções) e Bloodsport. Manifesta-se na Arlequina. E, a cada filme em que interpreta a personagem, Margot Robbie acrescenta mais degraus à sua perigosa insanidade, enquanto mantém a consciência feminina que a aproxima do apelo popular. Além disto, um menor tempo de tela confere maior impacto às cenas em que pinta e borda com gargalhadas, explosões, sangue e flores o mundo ao seu redor.

Este caos orienta a narrativa e muda a perspectiva do espectador, a ponto de perder o referencial do que o esperaria em fantasias de super-heróis, típicas ou não, e precisar aceitar que tudo pode acontecer, pois nenhuma carta está descartada no baralho de James Gunn. Tal imprevisibilidade é interrompida na recordação de que O Esquadrão Suicida é da Warner Bros. e nem pretende desrespeitar os elementos essenciais do subgênero. Porém, ainda com esta limitação, é surpreendente a liberdade da direção em inserir, por exemplo, uma criatura assassina de crianças dentro do bando.

Além disto, embora James Gunn desperdice Alice Braga em uma subtrama com relevância minúscula ao espectador e exija do Pensador (Capaldi) revelar a verdade em um monólogo expositivo e preguiçoso, os efeitos visuais computadorizados estão irrepreensíveis. Cada close em Nanaue evidencia os detalhes na textura de sua pele, enquanto a movimentação respeita seu peso. O mesmo é válido a Starro, uma criatura extraterrestre similar ao Stay Puft de Os Caça Fantasmas, em matéria de proporção e nonsense, com a habilidade d’Os Vampiros de Almas do filme de Don Siegel e muita melancolia por haver sido arrancada de seu habitat por humanos egoístas.

Não era difícil prever que O Esquadrão Suicida superaria o anterior, mas nem os melhores prognósticos imaginariam que o resultado pudesse ser esta aventura divertida, violenta e bagunçada, no bom sentido, e que ainda encontra espaço para trabalhar seus símbolos, ao deslocar as grades detrás das quais enxergava os integrantes da Força Tarefa X para certa personagem ao fim do filme. Que esta liberdade seja sintoma de melhores ventos para a DC no cinema.

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