Por Thiago Beranger.
Filmes sobre crimes reais são bem comuns, principalmente no cinema americano. Vários casos notórios, muitas vezes terríveis, já ganharam adaptações cinematográficas que fizeram bastante sucesso. Aqui no Brasil, estamos acostumados a assistir a esses filmes estrangeiros, mas são casos distantes da nossa realidade, tão distantes que não possuímos com eles uma conexão cultural forte, o que acaba reduzindo o impacto das situações retratadas em tela. A gente os enxerga quase que com os mesmos olhos com os quais vemos as ficções do mesmo gênero. Os filmes sobre o caso Richtofen vem na esteira de vários outros produtos de entretenimento que tem abordado, agora sim, casos reais muito próximos da nossa realidade. Nos últimos anos, o “boom” de podcasts, canais do YouTube e derivados que revisitam essas histórias abriu alas pra essa discussão ser retomada na sociedade brasileira. É interessante como as reações são diversas. Como o choque é completamente diferente. Suzane Von Richtofen é alguém muito viva no nosso imaginário. Nós acompanhamos o desenrolar da história, nós a vimos ser condenada e vira e mexe temos notícias sobre a progressão da sua pena. Vê-la transformada em entretenimento pode sim ser chocante, mas nada novo sob o sol.
Quem viveu o final dos anos 90 e início dos anos 2000 vai se lembrar de um programa chamado “Linha Direta” que passava na Globo. Nele, eram feitas reconstituições encenadas de crimes reais em rede nacional. Os lançamentos sobre o caso Von Richtofen me lembram esse programa, infelizmente não por suas boas características, mas porque não há nenhuma ideia bem resolvida na narrativa proposta pelo diretor Maurício Eça. Os filmes são meras ilustrações de um roteiro já problemático, porque não oferece profundidade nenhuma aos personagens. É tudo caricato e superficial, como as versões contadas nos depoimentos no tribunal, totalmente direcionadas por estratégias jurídicas de defesa. Ah, mas alguém pode dizer: “a intenção foi justamente a de simplesmente ilustrar os fatos narrados nos depoimentos”. Certo, mas quem é que disse que essa intenção daria bons filmes? Ainda que uma versão se proponha a oferecer o contraditório que falta na outra, isso não faz deles menos rasos. Duas versões genéricas da mesma história não totalizam uma versão interessante. Isso porque os longas não oferecem qualquer elemento que possibilite uma identificação com os personagens. Não existe a condução de um processo de empatia. Me parece que os filmes são moralistas ao ponto de já iniciarem “condenando” os acusados. As histórias são tratadas como mentiras contadas por pessoas que só querem se livrar do problema.
Falando em moralismo, outra coisa que esses filmes me lembram é uma série de propagandas que também foram veiculadas na mesma época. Aquelas da campanha “Diga Não Às Drogas”, que mostravam jovens cometendo barbaridades depois de fumarem um baseado, repetindo aos quatro ventos que a “maconha é a porta de entrada para o mundo das drogas”. Esse discurso já está bastante ultrapassado. Mas ambos os filmes possuem esse olhar, como se as drogas, principalmente a maconha, fossem determinantes na construção moral dos personagens. Nas duas versões o primeiro indicativo de quem é o “vilão” da história é o fato de ele ou ela oferecer drogas ao outro. Mesmo que isso seja um elemento presente nos depoimentos reais de Suzane e Daniel, é algo extremamente problemático e reducionista. E pior, confere aos longas um certo senso de ridículo, tornando tudo ainda mais caricato, uma vez que grande parte do público já tem uma visão desconstruída sobre esse assunto.
Diante desse cenário, não consigo nem gostar das atuações. Carla Diaz realmente se dedica bastante a evidenciar em suas expressões as diferenças relatadas nas histórias. A direção tenta se pautar nesse aspecto, mas ao mesmo tempo não dá a ela nada para trabalhar além de uma caracterização pobre. É uma ótima “cara de psicopata” a que ela faz. Só isso. O que me parece muito mais interessante é o trabalho dos atores que encarnam os pais de ambas as famílias. É nessas relações que mora o que há de melhor nos filmes. Nas sutilezas que existem nas dinâmicas familiares em cada versão da história e em como isso molda a interpretação dos fatos. Dentro desse contexto poderia existir uma ideia mais bem fechada, caso isso não fosse tratado de forma acessória.
Os realizadores de “A Menina que Matou os Pais” e “O Menino que Matou Meus Pais” tinham uma grande oportunidade. A de trabalharem uma história naturalmente interessante pelo apelo que possui, com uma protagonista (a atriz, não a personagem) extremamente carismática. Essa oportunidade se perdeu em meio a um olhar moralista, caricato que carrega o maior dos problemas que um filme pode ter: ser totalmente desinteressante.
Publicitário que escreve sobre cinema desde 2020. Colabora como crítico no site Cinema com Crítica.