O terror volta ao passado
Por Alvaro Goulart
“Por que toda a vez que alguém sente medo, o bicho papão vence”, afirma Laurie Strodes.
Halloween Kills: O Terror Continua sucede os eventos do filme de 2018 com a sobrevivência de Michael Myers de sua jaula de fogo. A continuação traz muitos litros a mais de sangue e violência gráfica para a narrativa. Tudo isso é mostrado nos primeiros minutos, no que acredito ser a melhor sequência de mortes do filme.
Após diferentes reboots, a linha temporal de Haddonfield é reescrita por David Gordon Green apagando tudo o que fora desenvolvido após os créditos da obra original. Em Halloween (2018), o diretor traz uma Laurie Strodes (Jamie Lee Curtis) já idosa, porém não menos letal. Tal qual a sobrevivente que é, a protagonista se refugia em uma casa que mais parece uma fortaleza à um lar enquanto aguarda o momento de reencontro com seu nemesis. Sua força não é suficiente para mascarar seus traumas ou romper a distância no relacionamento com sua filha Karen (Judy Greer) e a dificuldade de conexão com sua neta Allyson (Andi Matichak).
Enquanto Laurie e família seguem para o hospital acreditando ter matado Michael, o assassino mascarado escapa da armadilha criada por sua irmã enquanto massacra o grupo de bombeiros que atende ao chamado do incêndio. Cada um deles é decepado de forma criativa, fazendo uso de outras ferramentas que não só a faca. A serra circular, em especial, reproduz um chafariz de sangue no melhor estilo Gore de filmes de terror.
Após uma abertura intensa, o filme nos transporta para um bar onde nos são apresentados personagens que sobreviveram aos ataques de Myers no filme original – e interpretados pelos mesmos atores. Esses somados à um novo líder (Anthony Michael Hall) irão “coprotagonizar” a obra em uma busca por vingança de toda a cidade. E é nesse ponto que o filme começa seu declínio.
Se o filme de 2018 rompe com o estereótipo da “Final Girl” unindo 3 gerações para finalmente superar a figura – masculina – que as violenta, fazer com que o mesmo não sobreviva nem mesmo à essa sororidade já seria problemático o suficiente. Não satisfeito, o diretor dilui – e até mesmo apaga – o protagonismo dessa trindade geracional dando maior parte do tempo dentro de campo à essas pessoas. A necessidade de sobrepor o trauma coletivo ao particular de Laurie, Karen e Allyson procura se justificar na oportunidade de inserir fragmentos da obra original e outras que emulam a textura dos filmes da época.
O objetivo do diretor parece ser o de ressuscitar não apenas Michael Myers, mas diversos outros estereótipos e clichês cinematográficos: vítimas que insistem na pior decisão possível, pessoas armadas incapazes de acertar um único tiro e até um casal gay que está longe do ideal de representatividade que a comunidade LGBTQI+ reivindica no cinema. Ainda assim, esses não configuram o mais questionável do filme.
Fica claro que David Gordon Green pretende atribuir ao vilão o status quo de senhor do caos com uma pegada sobrenatural – a fala que destaquei na abertura do texto é só uma de várias que compõem a sequencia de diálogos expositivos do filme. Sua tentativa de imprimir em imagens a tese de “O homem é o lobo do homem” é de extremo mal gosto. A perseguição caótica à um indivíduo doente mental por uma massa de pessoas transtornadas pela sede de vingança é concluída com uma cena gráfica, cujas escolhas formais romantizam o suicídio.
O tema por si só já necessita cautela em ser trabalhado, não havendo espaço para que o mesmo satisfaça um fetiche pela violência. Na cena em questão, em meio ao medo e ao caos, o indivíduo em fuga vê como último recurso pular de uma janela no alto do prédio. O barulho dá espaço ao silêncio consolador, e a queda é glorificada como um voo para liberdade para que no final seja mostrado um corpo se espatifando contra o concreto. Reitero que não tenho problema nenhum problema com a violência gráfica em filmes. Sou, inclusive, um entusiasta do estilo Gore. Mas nesse caso em específico entendo ser uma utilização irresponsável e até perigosa.
Por mais que eu aprecie o sangue jorrando na tela, o terror psicológico que também compõe o Slasher foi deixado de lado tal qual nossa protagonista clássica. Se o diretor quis beber da fonte original e dos demais representantes do gênero em sua era de ouro, trouxe apenas os ingredientes insossos ou que envelheceram mal. De fato, Halloween mata. Mas a principal vítima é o amadurecimento do gênero.
JORNALISTA E PUBLICITÁRIO. Cresceu no ambiente da videolocadora de bairro, onde teve seu primeiro emprego. Ávido colecionador de mídia física, reune mais de 2 mil títulos na sua coleção. Já participou de produções audiovisuais independentes, na captura de som e na produção de trilha musical. Hoje, escreve críticas de filmes pro site do Cinema com Crítica e é responsável pela editoração das apostilas do Clube do Crítico.