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Imaculada

Um claustrofóbico e perturbador retrato do machismo.

Por Thiago Beranger.

É lugar comum quando se pensa em filmes que envolvem a internação de personagens em uma instituição de saúde mental, de reabilitação ou até mesmo prisional, associar isso a toda uma construção claustrofóbica, que envolva por exemplo a utilização de planos fechados, de uma profundidade de campo mais limitada e a composição visual com grades. Deve ser tentador para todo cineasta que se debruça sobre temas correlatos se utilizar desses artifícios tão consagrados quanto já batidos dentro da cinematografia, pela sua literalidade. Não é por acaso que esses recursos sejam utilizados: eles são bastante eficientes em representar o sentimento e também em provocar no espectador a mesma sensação experienciada pelos personagens. Mas é muito pobre um filme que reduza toda a sua mise en scene à construção desse efeito. Que não acrescente camadas ao enclausuramento provocado pelas imagens, para além do efeito em si.

Em Imaculada os diretores romenos Monica Stan e George Chiper não caem nessa armadilha ao contarem a história de Daria (Ana Dumitrascu), uma jovem de apenas 18 anos que precisa ser internada em uma dessas instituições de reabilitação por conta do seu vício em heroína, após o seu namorado, também usuário, ser preso. Lá dentro, sua lealdade ao namorado faz com que ela estabeleça uma relação abusiva de “amizade” com o líder dos internados, o que a protege de alguma forma do assédio dos outros. A chegada de um outro paciente, que não se enquadra na dinâmica do lugar, acaba modificando a situação e deixando as coisas fora de controle.

O uso dos elementos citados e de outros que provocam um desconforto claustrofóbico ligado à condição dos personagens é evidente. Porém, uma outra questão se coloca, tornando tudo mais interessante. A câmera não perde a protagonista de vista em nenhum momento. Os planos excessivamente fechados em seu rosto não servem só para enclausurá-la, são quase uma obsessão. Isso faz refletir nas imagens a obsessão que os demais personagens possuem por ela. A jovem atrai todos os olhares desde o momento que adentra esse ambiente majoritariamente masculino. Há uma competição entre os demais pacientes pela sua atenção. Isso, inicialmente quer aparentar certa inocência, quase como uma fascinação infantil. Contudo, as brincadeiras realizadas pelos personagens, a boa vontade em ajudar Daria, se revelam desculpas para que eles possam se aproveitar da situação em vários aspectos. Quem mais comete esses abusos é Spartac (Vasile Pavel), se dizendo uma espécie de irmão mais velho da personagem, mas a manipulando sexualmente (mesmo que de forma velada), afetivamente e psicologicamente.

Aos poucos esse aparente fascínio da câmera (e dos personagens) por Daria se torna cada vez mais desconfortável. Chega a ser doentio, como uma espécie de stalker que a observa de perto durante todos os momentos. O assédio se torna ainda mais violento quando a personagem deixa de ser a “menina inocente” – a imaculada do título – e assume o desejo de se relacionar com Costea (Cezar Grumazescu). Nesse momento a verdadeira natureza de toda a atenção dedicada a ela se revela por inteiro e o filme estabelece sua temática de forma ainda mais potente. A violência contra Daria sempre existiu. A posição “submissa” na qual ela era colocada já era por si só uma violência. Todos os abusos disfarçados de brincadeira também o eram. O fato de ela exercer a sua liberdade sexual só justifica na cabeça desses homens que essa violência se torne diferente, mais ostensiva.

Em seu final, o filme deixa um gosto estranho na boca. Seria a cena de sexo já perto do desfecho do filme mais um abuso – talvez o maior deles – cometido contra a protagonista, ou seria de alguma forma ela reafirmando a sua liberdade sexual e com isso se libertando? Daria sai da instituição ainda mais frágil e machucada do que entrou, ou sai mais capaz de reconhecer e lutar contra os abusos que sofreu? Talvez pela minha condição masculina, eu sinceramente não consigo dar essa resposta. Talvez essa resposta inclusive não exista e a ambiguidade seja até uma virtude do filme. Independentemente disso, o que Daria fez com tudo o que recebeu importa menos do que o fato de ela – e outras tantas mulheres – estarem expostas o tempo todo a esse tipo de situação. O filme ganha força por ser um doloroso retrato da realidade.

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