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Mar Infinito

Mar Infinito

78 minutos

Um exercício de ficção científica português sobre o vazio da existência humana.

Por Thiago Beranger.

A ficção científica assumiu várias formas ao longo da história do cinema. Das space operas divertidas e coloridas de George Lucas, à contemplação reflexiva de Tarkovsky há um campo muito amplo de possibilidades, explorado por diversos artistas. O português Carlos Amaral é um desses artistas que imaginam universos tocados por aspectos científicos ou tecnológicos diferentes dos que conhecemos na realidade. “Mar Infinito”, seu primeiro longa metragem, é um exercício nesse sentido. Dentro da régua da ficção científica, o filme se aproxima bem mais da contemplação do que da diversão. Ele é daqueles que se utiliza do gênero pra fazer uma reflexão acerca da natureza humana. Não há a preocupação em comentar a ciência, ela apenas serve como pano de fundo, uma situação catalizadora de questões já existentes em nossa identidade.

A história se constrói dentro de uma realidade bem parecida com a nossa, onde está havendo um processo de êxodo da humanidade para outro planeta. Nesse contexto, Pedro (Nuno Nolasco) é um jovem “deixado para trás” em um mundo já esvaziado, onde pouquíssimas pessoas ainda vivem, que passa seus dias tentando hackear o sistema que escolhe quem pode partir para enfim seguir viagem. Ele conhece e se apaixona por Eva (Maria Leite), outra jovem que está na mesma situação, e juntos eles passam a viver o vazio deixado em um planeta esquecido enquanto esperam o seu momento de partir.

Esse planeta Terra onde a obra se situa é construído como um tom extremamente melancólico. Há um filtro que dessatura a imagem e a torna azulada, refletindo esse estado de desolação no qual vivem os poucos habitantes que lá restaram. O diretor faz questão de enfatizar o vazio, construindo ambientes amplos mas pouco ocupados. Um bom exemplo é o apartamento onde vive o protagonista, um grande vão onde sobra espaço diante dos poucos móveis que o ocupam e onde uma janela imensa contempla as luzes da cidade. A solidão de Pedro fica evidente nesse cenário. Assim como é pouca a mobília de sua casa, também são poucos os personagens com os quais ele se relaciona. Seu ciclo social é composto por apenas três outros “deixados para trás”. Aliada a esse minimalismo na construção dos cenários está uma câmera que permanece estática, que dilata o tempo observando o vazio da vida sem sentido do protagonista. Alguém que não tem utilidade, como ele mesmo se define.

Apesar de a construção de todo esse cenário ser interessante, “Mar Infinito” não parece saber onde quer chegar. Esse minimalismo narrativo leva a um beco sem saída. Há essa verve contemplativa, mas em relação ao quê? A ausência de sentido que assola o protagonista se reflete no próprio filme. Há um virtuosismo na construção de imagens subaquáticas ou espaciais, que servem como ótimos fundos de tela de computador, mas que se tornam repetitivas à medida em que o filme avança e não encontra nada além do comentário acerca do vazio. O “Mar Infinito” que dá título ao filme é o nada narrativo.

Em determinado momento a realidade é colocada em xeque e se abre a possibilidade de todo esse universo ser uma espécie de simulacro na qual os viajantes intergalácticos são colocados enquanto esperam chegar ao seu destino. O filme parece querer se ressiginificar através dessa possibilidade, deixando ali um final aberto ou indeterminado. Um “plot twist” pretensamente espertinho, na busca de ares mais complexos e filosóficos que justifiquem a experiência. Não é suficiente.

“Mar Infinito” é um exercício de ficção científica sobre o vazio da existência humana, mas que se revela tão contemplativo quanto aqueles momentos em que abrimos a geladeira sem saber o que queremos pegar e ficamos ali refletindo sobre a vida. Talvez alguém com isso possa chegar a um nível profundo de reflexão, que justifique o gasto de energia em manter a porta aberta, mas na maioria das vezes só se chega à conclusão de que não há mesmo nada de muito interessante a tirar dali.

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