Aumentando seu amor pelo cinema a cada crítica

Search
Close this search box.

Azor

100 minutos

Co-produção suíça-argentina evidencia a relação promíscua entre os países durante o regime militar

Em seu trabalho de estreia, o diretor suíço Andreas Fontana decidiu contar uma história sobre a ditadura argentina a partir do ponto de vista de um compatriota, o banqueiro privado Ivan. Esta escolha exila, ao porão do subtexto, a ilustração das ações assassinas do regime militar, revelada em fragmentos sugestivos o bastante para serem conclusivos.

A proposta narrativa é mostrar qual a relação do dinheiro com os regimes de exceção, substituindo traços de humanidade pela frieza dos números e de algumas insinuações que esbarram na incapacidade de Ivan de fazer algo a respeito delas. Andres não conta nada de inédito, porém. O dinheiro e poder coexistem nesta simbiose em que um corrompe o que resta de ética e moral no outro até não sobrar nada.

Desse modo, não importa se a carteira de clientes deixada por Keys, cuja partida repentina é motivo de inquirição por parte de Ivan antes de este aprender a deixar as coisas como estão, contêm pessoas de direita ou esquerda, favoráveis ou contrárias ao regime de exceção. O dinheiro não tem cheiro e, mesmo manchado de sangue, tem o mesmíssimo valor. A Suíça continuará atuando como banco mundial e faturando comissões sobre milhões, sejam seus clientes empresários, políticos ou terroristas (ou todos ao mesmo tempo).

Subdividida em cinco capítulos, o que lhe confere um atributo episódico mas com a coesão preservada no ponto de vista único de Ivan, a narrativa não pretende ir além do que ilustrar sua reação àquele mundo, atribuindo face a números. Azor, o título do filme, fala disto: a qualidade de Ivan e da esposa Inés permanecerem quietos e pensarem bem antes de falar qualquer coisa. Isto é visto como um traço de humildade por um dos clientes de Ivan: um cardeal da igreja católica, apoiador do regime e que pretende lucrar sobre o golpe de estado em Uganda. Esta caracterização aparentemente contraditória é contra o que se insurge o diretor Andreas Fontana.

Enquanto seu personagem joga o jogo financeiro-diplomático, o ator belga Fabrizio Rongione demonstra sua exuberante capacidade de contenção emocional, mascarando, embora não sufocando seus sentimentos diante da barbárie. A reação junto do pai cuja filha desapareceu – eufemismo para raptada, torturada, assassinada e desovada em qualquer vala – ou após conhecer Lázaro, o cliente oculto, evidenciam qual a filiação adotada como indivíduo, mas não como membro de uma instituição. O hábito de beber água, no lugar de bebidas alcoólicas, enfatiza que Ivan está a trabalho, contraditando a máxima de que viagens deveriam ser para prazer.

É que, no retrato formal de Andreas Fontana, com a fotografia de cores desbotadas de Gabriel Sandru e a montagem protocolar de Nicolas Desmaison, não existe espaço para prazer nem emoções. No coração da elite argentina, cujos corredores Ivan percorre como o dinheiro que circula de mão em mão, há só espaço para a manutenção das aparências da metade assustada o bastante para não enxergar o destino vizinho ou para a corrosão da metade restante que apoia a desumanidade. Diante disso, atravessar rios não mapeados e percorrer a mata densa da floresta parecem atividades de menor selvageria e, portanto, mais recompensadoras.

Azor está disponível na 45ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo.

Compartilhe

Facebook
Twitter
LinkedIn
WhatsApp

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Você também pode gostar de:

Críticas
Marcio Sallem

Suspended Time

É compreensível que muitos diretores tenham decidido ‘interpretar’

Críticas
Marcio Sallem

Hawa

Uma adolescente mora com a avó e teme

Rolar para cima