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A Piece of Sky

Drii Winter

136 minutos

Formalista e operático, o drama romântico à la Bela e a Fera é tão comovente quanto é estranho

Marco (Wisler) é um touro em forma de homem que trabalha para um fazendeiro local em uma comunidade suíça entre vales. Apesar de aparentar um brutamontes, Marco é discreto e sensível, bebe chá gelado em vez de cerveja, expressa-se de maneira mansa e demonstra um amor que, aos olhos preconceituosos, não condiz com sua aparência truculenta. É um touro Ferdinando cujos atributos o aproximam de Anna (Brand), com uma filha de um relacionamento anterior, até se casarem apesar do pré-julgamento dos membros da comunidade. Este romance é narrado pelo diretor Michael Koch com uma abordagem formalista e operática, em uma espécie de A Bela e a Fera digamos assim.

Koch estrutura a narrativa em cinco atos interrompidos por um coral que se dirige ao espectador de forma alegre ou melancólica, a depender da estação do ano e do momento romântico do casal, ameaçado por um tumor cerebral de Marco que o impede de controlar os impulsos (um touro descontrolado é um risco, certo?). Mas antes de chegarmos aí, Koch adota planos majoritariamente estáticos para que o espectador tateie e sinta a natureza onde a ação acontece. Com a decupagem em profundidade de campo, a direção de fotografia namora a vertigem provocada pelas montanhas e vales sinuosos e íngremes, que parecem se dobrar por sobre os personagens (como uma espécie de A Origem ou Doutor Estranho autoral e naturalista). A profundidade de campo também proporciona um susto que muitos terrores anseiam em provocar quando um bloco de feno é descolado de um ponto mais alto para outro mais baixo.

A fotografia íngreme de A Piece of Sky provoca vertigem

Preocupada em explorar o cenário da melhor forma que pode, integrando-o a ação como um personagem, a direção também reforça, através do coral que quebra a quarta parede, a dimensão formal da imagem. Ao lado disto, a ideia de que a movimentação é um efeito a reboque do objeto onde está fixada – não é a câmera que se move, assim, mas um objeto ou personagem que a movimenta, enquanto o primeiro plano permanece estático – ou, em momentos raros, uma ênfase realista ao acompanhar o caminhar de um personagem. No restante das vezes, a fotografia bela mantém uma componente de mistério que dificulta a compreensão de Marco e do meio onde se insere, sem julgamentos morais antecipados.

Com um elenco composto, majoritariamente, de atores não profissionais, quem chama a atenção de imediato é Simon Wisler. Enquanto a narrativa tenta associá-lo a partir de uma montagem intelectual ao boi que tenta emprenhar, a todo custo, uma vaca presa ou mesmo à pedra imensa, estática, cujo risco de avalanche abaixo ameaçaria a comunidade, o ator cria um homem sempre curvado em frente, com a cabeça enfiada dentro dos ombros e uma ênfase sensível no medo de morrer que é tocante pela simplicidade com que anuncia.

O coral que quebra a quarta parede entre os atos

Já Michèle Brand é o coração da trama em propor uma personagem que tenta acessar, como pode, o coração do companheiro, até mesmo reconhecendo um ato indefensável dele como um reflexo de uma doença. Se Marco é a musculatura, Anna é o coração, que pulsa de um jeito comovente no cenário frio onde está. Já Michael Koch é o cérebro, que dimensiona o impacto da imagem para que esta mimetize a estranha história de amor que narra.

Crítica publicada durante a cobertura do 72º Festival de Berlim/2022.

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