Drama recria o atentado terrorista no Bataclan e as consequências emocionais dele em um casal
Com base em relatos dos sobreviventes do atentado terrorista à casa de shows parisiense Bataclan, One Year, One Night discute como os efeitos do trauma não se exaurem apenas naqueles minutos ou horas que parecem uma eternidade. Pelo contrário, marcam a vida de cada uma das vítimas, de formas diferentes, como uma tatuagem emocional indelével com que se aprende a conviver. O diretor Isaki Lacuesta, portanto, dá mais ênfase às consequências do ato terrorista na vida do casal protagonista, Ramón e Céline, de um modo diferente da ação imediatista de Paul Greengrass quando dirigiu Voo United 93, para fins de comparação.
Céline (Merlant, de Retrato de uma Jovem em Chamas) e Ramón (Biscayart, de 120 Batimentos por Minutos) estão tentando recuperar o senso de normalidade. Enquanto Ramón enfrenta ataques de pânico, Céline sufocou a experiência o que lhe permite um falso retorno à rotina. O estresse pós-traumático ameaça a sobrevivência do casal, incapaz de reconciliar uma visão de futuro que não tenha o atentado no centro da discussão. O roteiro toca em temas conturbados e complexos, mas falha em não os explorar melhor. Em certo momento, um personagem tece uma autocensura por ser racista (ou islamofóbico). O comentário permanece assim, isolado, como um tiro dado no escuro, ainda que certeiro e sujeito à reflexão.
De forma semelhante, o roteiro falha em construir a relação conflituosa entre Céline com um jovem árabe e rebelde, alimentando a tensão e atingindo o clímax dramático, porém sem delinear como isto se relaciona à repressão dela. Já a direção é exitosa em tornar o ato terrorista propriamente dito em um pesadelo com ênfase no caos, na desordem e incapacidade de enxergar onde estão ou quem são os atiradores a partir do recurso de uma montagem eletrizante. Além do mais, Isaki reforça, visualmente, a ansiedade e depressão debilitante de Ramón em contrapartida com a ilusão de normalidade de Céline, na vã tentativa de ser quem fora um dia.
Como é Céline a protagonista, no fim das contas, a direção namora um desfecho adequado, o da realização do quanto reprimiu para sobreviver, mas continua por mais minutos de forma prolixa quando a narrativa parecia já exaurida. Ao propor estender a narrativa além do primeiro final , Isaki até oferece momentos poéticos de desorientação após o resgate ou de retorno ao Bataclan, como um sinônimo de reconciliação com a própria história. Apesar da boa intenção, a sensação é do epílogo inchado e de uma narrativa que não soube encerrar.
É um problema recorrente de filmes baseados em histórias reais que, inspirados em depoimentos dos sobreviventes, acreditam honrá-los quando reproduzem, pontualmente, os eventos relatados. A melhor forma de homenagem, porém, é deixar a cargo da linguagem cinematográfica o poder da expressão através da síntese da imagem com objetividade.
Crítica publicada durante a cobertura do 72º Festival de Berlim/2022
Crítico de cinema filiado a Critics Choice Association, à Associação Brasileira de Críticos de Cinema, a Online Film Critics Society e a Fipresci. Atuou no júri da 39ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo/SP, do 12º Fest Aruana em João Pessoa/PB, do 24º Tallinn Black Nights Film na Estônia, do 47º TIFF – Festival Internacional de Cinema em Toronto. Ministrante do Laboratório de Crítica Cinematográfica na 1ª Mostra Internacional de Cinema em São Luís (MA) e Professor Convidado do Curso Técnico em Cinema do Instituto Estadual do Maranhão (IEMA), na disciplina Crítica Cinematográfica. Concluiu o curso de Filmmaking da New York Film Academy, no Rio de Janeiro (RJ) em 2013. Participou como co-autor dos livros 100 melhores filmes brasileiros (Letramento, 2016), Documentário brasileiro: 100 filmes essenciais (Letramento, 2017) e Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais (Letramento, 2018). Criou o Cinema com Crítica em fevereiro de 2010 e o Clube do Crítico em junho de 2020.