Aumentando seu amor pelo cinema a cada crítica

Return to Dust

Yin Ru Chen Yan

131 minutos

Drama chinês é o melhor filme que assisti no Festival de Berlim

Existe aquele momento, no ano ou em um festival de cinema, em que você encarna o Leonardo DiCaprio no meme de Era uma Vez em… Hollywood, aponta para a tela do cinema e pensa consigo mesmo: este é o meu filme favorito. E, com metade da mostra competitiva ainda por vir, eu duvido que qualquer filme que ainda veja tenha a ressonância emocional que teve comigo este drama chinês dirigido por Li Ruijun. Seu drama é devastador para o sonhador. Não daqueles idealizados mas aqueles adotados para nós. Na história, o casamento arranjado que reuniu duas pessoas à margem da comunidade (Ma e Cao) e que, com o tempo e convivência, aprenderam a depender uma da outra para conquistar vitórias minúsculas dentro de um todo, mas não mesmo relevantes e significativas por causa disto.

Cao (Qing) é uma mulher com problemas de saúde não diagnosticados, que manca de uma perna e anda com a cabeça baixa e a coluna curvada como consequência dos abusos físicos que sofreu na juventude e que provocaram sequelas emocionais e comportamentais. Já Ma (Renlin) é um homem do campo, pária dentro da própria família a ponto de não ser convidado para o casamento de um dos irmãos. A união improvável prova ser tão amarga e dura do que as circunstâncias sugeririam a princípio, mas com resultados inesperados: contra as intempéries naturais (chuvas torrenciais, por exemplo) e as adversidades humanas (ganância, corrupção, egoísmo, tudo fruto de um capitalismo existente por debaixo do pano da sociedade socialista chinesa), Ma e Cao têm êxito com o trabalho digno, a dedicação e o compromisso mútuo e logo transformam o árido em terra cultivável, o estéril em um espaço para criação de animais, o vazio em uma casa, o nada em amor.

Antes de receber Cao em casamento, Ma apenas tinha como companhia um burrinho.

O texto piegas que até agora escrevi não faz jus ao trabalho da direção, avesso a floreios artificiais. Nada na rotina de Cao e Ma vem de forma fácil, tampouco o amor. Este adota a face do companheirismo, não do sexual ou carnal. Cada vitória é degrau para mais uma vitória, celebrada de forma tímida, como por exemplo em um jantar do lado de fora da casa, ao lado de uma dúzia de galinhas. O objetivo traçado é simples: construir uma casa, criar animais, plantar alimento, quem sabe adquirir uma televisão de presente para Cao ou levá-la na cidade para visitar um médico. Enquanto isto, Ma é um paradigma da ética, com o lema de retribuir aquilo que lhe fora emprestado quando puder, contrário à atitude dos latifundiários ou comerciantes, que arredondam para baixo os ganhos da colheita ou que, literalmente, bebem o sangue do trabalhador como vampiros.

Esta jornada semi-épica de um recorte significativo de uma vida é emoldurada na fotografia alaranjada e quente de Wang Weihua, que expressa a dureza do trabalho braçal diário, de segunda a segunda, e investe, ao contrário do frio de trechos anteriores, no calor daquela relação, cujas juras de amor são trocadas no silêncio. A isto, a decupagem de Riujun que movimenta a câmera só quando seja necessário fazê-lo, mantendo-a estática na maior parte do tempo com uma ênfase na profundidade de campo como uma alternativa para ilustrar a ação sem cortes: por exemplo, em um certo momento, o diretor organiza três planos na mesma cena e ilustra o insucesso de Cao em carregar blocos de feno para a carroça em comparação com o terreno do vizinho (ao fundo da cena).

A fotografia alaranjada e calorosa

Enquanto isto, até como consequência de certo imobilismo, a montagem do próprio Li Ruijun adota um ritmo contemplativo e adequado para assistir à passagem das estações do ano sem qualquer pressa, dando a oportunidade para que a edição sonora preencha os silêncios com o som do vento entre os tijolos da recém construída casa do casal ou o piar das galinhas, logo ao fundo, alternativas para um casal que não pode gestar filhos. O que não os furta de dar vida ao sonho com que foram premiados, em uma jornada pedregosa, melancólica mas amorosa também.

Crítica publicada na cobertura do 72º Festival de Berlim/2022

Compartilhe

Facebook
Twitter
LinkedIn
WhatsApp

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Você também pode gostar de:

Críticas
Alvaro Goulart

Baby

“Me chama de Baby” Eu lembro de quando

Rolar para cima