Aumentando seu amor pelo cinema a cada crítica

A Hora do Desespero

The Desperate Hour

84 minutos

Um thriller de câmara diferente

É fácil perceber o momento exato em que A Hora do Desespero desanda, perde contato com o que havia de mais forte na narrativa, reduz-se a thriller aquém às suas possibilidades e se entrega à romantização de um desenrolar e desfecho inconvenientes com a natureza da história que conta. De certa maneira, o filme é evidência do que há de errado em boa parte do cinema americano, que se volta para fora, ao invés de olhar para dentro, enquanto acredita que pode salvar o mundo das armadilhas que sua sociedade criou. 

Com direção de Phillip Noyce, de Geração Roubada, O Americano Tranquilo, Perigo Real e Imediato e O Colecionador de Ossos, A Hora do Desespero explora um dia qualquer de verão, em que Amy Carr (Naomi Watts) tira o dia de folga do trabalho para uma corrida pelas florestas que margeiam a pequena cidade de Lakewood, onde mora com dois filhos após a morte do pai em um acidente de carro. Enquanto atende a ligações banais – a filha pede que leve à escola um dinossauro de brinquedo; a mãe, que retire o carro alugado da locadora de veículos -, Amy surpreende-se com a notícia de que a escola onde o filho estuda foi invadida. 

O instinto materno dispara. Amy tenta retornar à cidade, mas se perde na floresta; telefona para a mãe de uma colega do filho, para o atendente da locadora de veículos defronte do colégio, conversa com o delegado responsável, apesar de não obter informações conclusivas a respeito do filho: estaria vivo ou morto? Seria o filho o atirador? O roteiro de Chris Sparling não brinca em serviço quando o assunto é tensão pela desinformação e cria uma espécie de filme de câmara (ou chamber movie) – termo utilizado para designar histórias ambientadas em um espaço delimitado e claustrofóbico. Chris tem experiência neste tipo de filme: são dele os roteiros de Enterrado Vivo, em que Ryan Gosling acordava preso dentro de um caixão, e Armadilha, em que o trio de amigos é aprisionado em um caixa eletrônico. 

Aqui, Chris explora a desnecessidade de quatro paredes para que haja a sensação esperada de aprisionamento e sufocamento. Você pode fazer isso ao ar livre. Basta reduzir o alcance da rede de celular o suficiente para que as informações estejam desencontradas ou incompletas, ou desativar o sinal do GPS para Amy perder-se na floresta. A ideia de filme de câmara não está em função do espaço onde o personagem está, mas das emoções e imobilismo que sente. Amy não pode fazer nada para proteger o filho. Para uma mãe, que se sente culpada por ter se distanciado dele, isto é o equivalente a se descobrir preso entre rochas (127 Horas) ou dentro do carro, sem nada a fazer senão esperar o tempo necessário até chegar ao destino (Locke). 

A subversão é enriquecedora, apesar de o próprio roteiro enfraquecê-la, quando confere a Amy alternativas para modificar o curso da situação. É o mal do thriller americano tradicional, em que a resposta do mistério vale mais do que o impacto sentimental. Se a primeira metade da narrativa era eficiente em ilustrar a desorientação espacial e emocional da protagonista, a segunda cria a ideia de quebra-cabeças em que, a partir de ligações, Amy pode descobrir se seu filho é ou não autor do atentado e atuar diretamente na resolução dele. O próprio roteiro reconhece o absurdo nisto quando a atendente de emergência passa pano para Amy, sob o argumento da maternidade

E, ainda que o roteiro não tenha a pretensão de discutir a questão da epidemia de tiroteios em massa nos Estados Unidos, a descoberta de Amy e o desenrolar dos eventos vão na contramão dos fatos contemporâneos ao escolherem o bode expiatório óbvio. Afora isso, os 84 minutos da narrativa parecem mais extensos do que necessários, ao criarem situações que não afetam a jornada de Amy, como tropeçar na pedra e cair de cabeça no chão, um atraso de 1, 2 minutos inserido oportunidade para introduzir um flashback qualquer coisa. 

Como ocorre na maioria dos filmes de câmara, a atenção é voltada exclusivamente para a personagem em situação extrema, e Naomi Watts não desaponta como a mãe que faria de tudo pelos filhos (já até foi indicada ao Oscar por papel semelhante, em O Impossível). Algumas vozes reconhecíveis (a de Jason Clarke, por exemplo) e outras não preenchem a narrativa, cujo trabalho de direção é limitado à alternância entre planos abertos – que revelam o espaço paradoxalmente opressivo – e closes fechados no rosto de Naomi Watts. 

A Hora do Desespero é um thriller passatempo, que abdica da tensão emocional em troca do desenvolvimento inverossímil da situação construída, e desperdiça a chance de enfrentar um tema seríssimo, talvez um dos mais sérios na sociedade americana. 

A Hora do Desespero está em exibição nos cinemas!

Compartilhe

Facebook
Twitter
LinkedIn
WhatsApp

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Você também pode gostar de:

Críticas
Marcio Sallem

Stardust

Em 1971, David Bowie é um jovem de

Drive

(Drive), Estados Unidos, 2011. Direção: Nicolas Winding Refn.

Rolar para cima