O medíocre desfecho da trilogia Jurassic World
Desde o clássico de 1993, de Steven Spielberg adaptado da obra de Michael Crichton, Jurassic Park discutia o mito de Prometeus, que roubou o fogo dos deuses para dá-lo à humanidade, o desejo de confiar a esta o poder dos deuses. Contudo, era a ganância que condenava o parque criado por John Hammond. E, ao longo da trilogia original e, depois, da trilogia iniciada em 2015 e concluída agora com este Jurassic World: Domínio, a ganância provocava a ruína da ambição característica da ciência de realizar isto ou aquilo apenas porque pode, a despeito da ética. Pouco mudou nas 3 décadas em que o homem brincou de deus, senão o olhar artístico: a arrogância da ciência foi substituída pelo reconhecimento do erro de cruzar barreiras, enquanto a ganância deixou de ser exclusiva da maçã podre no cesto, como o reflexo da crítica ao corporativismo. Não é o indivíduo o responsável pelo caos, mas a corporação representada pelo CEO Lewis Dodgson (Campbell Scott), que substitui Cameron Thor do original.
O roteiro escrito por Emily Carmichael e Colin Trevorrowdo continua os eventos de Jurassic World: Reino Ameaçada, após os dinossauros serem soltos na natureza e obrigaram a sociedade e os ecossistemas a se adaptarem para reduzir a ameaça de insustentabilidade. É neste mundo que reencontramos Claire (Bryce Dallas Howard), agora uma ativista que resgata dinossauros de traficantes, e Owen (Chris Pratt), um sujeito faz tudo quando o assunto são dinossauros. Eles assumem a guarda de Maisie (Isabella Sermon), clone da cientista Benjamin Lockwood e que havia sido apresentada no antecessor e alvo de criminosos a serviço da BioSyn. Enquanto isso, a Dra. Ellie (Laura Dern) investiga o ataque de gafanhotos do cretáceo a plantações e como isto pode desestabilizar, de forma rápida, o meio ambiente. Ellie convida o Dr. Alan Grant (Sam Neill) a ajudá-la a descobrir, na mesma corporação, a origem destes gafanhotos, e contam com a ajuda do também Dr. Ian Malcolm (Jeff Goldblum). Por óbvio, as duas linhas narrativas – a da trilogia original e a da trilogia contemporânea – irão se cruzar, enquanto os personagens precisarão, espero que pela derradeira vez, fugir de dinossauros.
Apesar de sugerida, a coexistência entre homens e dinossauros é um tema marginal. Descobrimos, de passagem, que há traficantes de dinossauros e que há organizações no submundo que lucram com apostas em rinhas. Vemos uma criança brincar com o dinossauro no parque. Noutro momento, os dinossauros correm nas pradarias ao lado de elefantes ou nadam nos oceanos acompanhados por baleias. A coexistência pára aí, pois o roteiro somente menciona como isto pode adiantar o relógio do apocalipse sem que nada seja debatido ou ilustrado a respeito. No lugar disso, o retorno ao básico: a busca dos personagens (por Maisie e por respostas) que os leva a confrontar a BioSyn enquanto tentam permanecer vivos. É decepcionante rever, há 30 anos, o mesmo tema repetido, na esperança de que a presença de mais dinossauros compensasse a falta de desenvolvimento do que deveria ser a candidata óbvia ao tema da obra: a coexistência.
Na falta disso, o bê-á-bá do cinema de ação blockbuster, com heróis corajosos, relutantes e sortudos que agem para desmascarar a corporação do mal. Não faltam estereótipos, como o do cientista arrependido ou do CEO desalmado que opta por arriscar a humanidade em favor de esconder a responsabilidade empresarial. Não faltam momentos do tipo já visto antes, com o deus ex machina, personagens que chegam no momento final para salvarem outros da morte certa, e diálogos e interações derivadas. Após 30 anos, Ellie e Alan agem da mesma maneira que no original sem que amadurecessem com a idade. Já Owen e Claire evoluem a dinâmica anterior, ainda que não tenham para onde expandir os personagens senão na temática da maternidade: Claire busca a filha, Owen, a filha de Blue, a velociraptor que havia treinado.
Além do encontro entre os elencos legado e contemporâneo, uma meia dúzia de personagens cujas personalidades devem ser desenvolvidas e ações, compatibilizadas, há a inclusão e o resgate de personagens coadjuvantes cujas tramas são descartadas depois de serem exauridas – caso de Barry (Omar Sy) ou Franklin (Justice Smith) – ou são introduzidas convenientemente a fim de ajudar a história a caminhar adiante – Ramsay (Mamoudou Athie) e o Dr. Henry Wu (BD Wong), que aparecem sempre que a história esbarra em um beco sem saída para virar a página seguinte do roteiro. Quem se salva nisto é a piloto de avião Kayla (DeWanda Wise), que aproveita a dinâmica da narrativa: a bordo do tipo de avião clandestino e sucateado que mal sabemos como permanece no ar, Kayla é durona, determinada e altruísta a ponto de compensar a inexistência de quaisquer detalhes de sua personalidade no roteiro.
Até porque o manuscrito está mais preocupado em introduzir mais e mais dinossauros. De novo, o roteiro apresenta mais um superpredador no Giganotossauro, rival do Tiranossauro Rex, e dinossauros coerentes com o conhecimento científico contemporâneo, com penas, bicos e garras que convivem com os dinossauros clássicos (um daqueles parece a versão jurássica de Freddy Krueger). Por falar nele, o diretor Colin Trevorrow enxerta na narrativa referências múltiplas e inusitadas como se compensassem as deficiências de como trabalha mal: O Iluminado, a trilogia Jason Bourne ou Apocalypse Now são algumas referências em cenas que mesclam ação e terror com resultados aquém do medo ou da excitação que deveriam provocar. Colin não é Steven Spielberg, quando encenou a cena desesperadora do precipício em O Mundo Perdido, nem Paul Greengrass, quando brinca de perseguição nas ruas de Malta. Com a câmera normalmente muito próxima da ação e a montagem retalhada para esconder a má decupagem, Colin dificulta que o espectador se entretenha com o que está acontecendo, pois a escassez de planos gerais prejudica a compreensão da geografia da ação e o ritmo frenético misturado com efeitos visuais computadorizados provoca enxaqueca.
No campo do terror, é menos sucedido, já que a sensação é de que os personagens nunca estão em perigo verdadeiro e que a direção jamais teria a coragem de sacrificar este ou aquele. Com efeito, salvo a cena isolada envolvendo um personagem erguendo uma tocha improvisada diante de um dinossauro, nenhum personagem parece estar em risco, e isto é o equivalente ao cinema do que foi o meteoro aos dinossauros.
No fim, o próprio filme oferece a visão crítica do filme: na cena em que o Dr. Ian segura um dinossauro de origami e critica as corporações por utilizar o encantamento para encher os cofres de dinheiro, está falando sobre o cinema que acredita que inserir dinossauros de CGI ou animatrônicos basta para hipnotizar o público e ignorar que não há boas aventuras sem boas histórias, bons personagens e riscos suficientes que o faça torcer para o êxito deles.
Assim, Jurrassic World: Domínio é o desfecho pálido de uma trilogia medíocre, cujo melhor destino seria ter sido conservada dentro do âmbar.
Crítico de cinema filiado a Critics Choice Association, à Associação Brasileira de Críticos de Cinema, a Online Film Critics Society e a Fipresci. Atuou no júri da 39ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo/SP, do 12º Fest Aruana em João Pessoa/PB, do 24º Tallinn Black Nights Film na Estônia, do 47º TIFF – Festival Internacional de Cinema em Toronto. Ministrante do Laboratório de Crítica Cinematográfica na 1ª Mostra Internacional de Cinema em São Luís (MA) e Professor Convidado do Curso Técnico em Cinema do Instituto Estadual do Maranhão (IEMA), na disciplina Crítica Cinematográfica. Concluiu o curso de Filmmaking da New York Film Academy, no Rio de Janeiro (RJ) em 2013. Participou como co-autor dos livros 100 melhores filmes brasileiros (Letramento, 2016), Documentário brasileiro: 100 filmes essenciais (Letramento, 2017) e Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais (Letramento, 2018). Criou o Cinema com Crítica em fevereiro de 2010 e o Clube do Crítico em junho de 2020.