Aumentando seu amor pelo cinema a cada crítica

Search
Close this search box.

A Fera

93 minutos

Genérico e problemático, novo filme da Universal não faz jus à tradição dos animais assassinos no cinema.

Por Thiago Beranger.

Muito próximos um do outro vieram ao mundo dois filmes com temáticas parecidas: “O Predador: A Caçada” e “A Fera”. Ambos colocam seus protagonistas em situação de sobrevivência, caçados por um predador. O primeiro é um dos monstros mais populares do cinema, o segundo é um animal selvagem intimidado pela caça ilegal em seu território. Só nessa breve comparação já dá pra enxergar um problema em “A Fera”. O “vilão” na verdade não deveria ser colocado na posição de monstro nesse contexto.

Tudo bem, existem diversos outros casos assim no cinema. O mais célebre é provavelmente o “Tubarão” do Spielberg, mas podemos citar como exemplo também a cobra de “Anaconda” (1997) e diversos outros. Nesses casos os animais aparecem realmente como feras do mal. Não há um porquê para os ataques. Não há uma relativização. Eles são criaturas quase fantásticas, que não estão inseridas dentro de uma lógica natural. O leão de “A Fera” é um caso completamente diferente. O filme até verbaliza a ressalva, até o trata textualmente como vítima. Mas a partir do momento que constrói imageticamente uma figura absolutamente monstruosa e brutal, esse texto cai por terra. Talvez fosse melhor que o leão fosse o protagonista.

Isso porque quem lidera o filme é o médico Nate – interpretado por Idris Elba em um dos seus piores trabalhos – que viaja com suas duas filhas até a África para apresentá-las ao vilarejo onde sua falecida esposa havia nascido. Lá eles são recebidos e hospedados por Martin (Sharlto Copley), amigo de longa data do casal, que vive como uma espécie de guardião de um safari na região. Ao saírem para um passeio entre os animais, os personagens são surpreendidos ao encontrarem diversos corpos mutilados dos membros de uma aldeia local e logo percebem que eles podem ser as próximas presas do leão que está à solta.

A maior parte de um filme caçada se passa dentro de um carro.

Percebam que na sinopse não há uma especificação de em qual país da África o filme se situa. Pela presença do ator sul-africano Sharlto Copley e por alguns elementos da ambientação podemos inferir que se trata da África do Sul, mas em nenhum momento isso fica claro. É aquela velha e cansativa redução de um continente imenso, repleto de culturas e cenários diferentes, a uma representação absolutamente genérica e marcada pela visão branca ocidental estereotipada. Os animais, a savana, algumas vilas isoladas e pobres e nada mais. Até as lideranças locais, tanto dos protetores do bioma quanto dos caçadores, são homens brancos. O povo, o cenário e a cultura locais funcionam apenas como pano de fundo, não sendo em nada aprofundados.

O pior é que, mesmo com tanta riqueza e tantas possibilidades, o que temos é um filme de sobrevivência situado em uma savana africana que se passa em grande parte dentro de um carro. A nós não é dado nem o desfrute de apreciar a paisagem. É uma narrativa que se utiliza de elementos da natureza, que cria um jogo de caça e caçador, mas que escolhe se enclausurar e limitar o seu próprio espaço ao invés de explorar criativamente o potencial do ambiente onde se situa. É mais fácil proteger os protagonistas naquele carro/santuário do que colocá-los efetivamente dentro do jogo que justifica a ação.

Tentei encontrar uma foto que não fosse do carro, mas falhei.

Se algo se salva em “A Fera” é a maneira brutal com a qual os poucos momentos verdadeiramente de ação se desenrolam. A batalha final entre o protagonista e o leão é de fato muito bem construída. Mesmo que o animal seja obviamente totalmente construído através de computação gráfica, há uma fisicalidade palpável na maneira como os personagens se digladiam, na maneira que sangram e se ferem mutuamente. Dá pra sentir o impacto de cada golpe levado pelo personagem do Idris Elba, ainda que sua capacidade de aguentá-los acabe beirando o sobrehumano. Dá pra colocar na conta da força de um pai que precisa proteger suas filhas.

Contudo, essa sequência climática que tem coisa de 2 bons minutos, esconde por trás do virtuosismo de um longo plano sequência – recurso que aliás, está presente durante todo o filme – o vazio de um trabalho que não tem a criatividade necessária para explorar o seu próprio potencial, que possui um teor problemático em vários pontos do seu conteúdo e que abusa do didatismo pra empurrar para o espectador uma resolução preguiçosa (sim pessoal, já entendemos que o plano do Nate era usar os outros leões contra o antagonista). E aí, voltando à comparação do primeiro parágrafo, dos dois filmes que estrearam recentemente, só um entende e consegue incorporar verdadeiramente à sua narrativa o que significa a lei da selva. E este não possui em seu “elenco” um leão. 

Compartilhe

Facebook
Twitter
LinkedIn
WhatsApp

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Você também pode gostar de:

Críticas
Marcio Sallem

Cobweb

O sul-coreano Jee-woon Kim dirigiu dois longas-metragens que,

Natal Branco

Natal Branco (White Christmas, Estados Unidos, 1954). Direção:

Rolar para cima