Joey King é donzela perigosa em aventura empolgante
No reino de tão tão distante, A Princesa acorda no alto da torre, acorrentada e vestida para se casar com o Lorde Farqua… digo, o Príncipe Encantado, que aprisiona rei, rainha, filha e membros da corte e deseja tomar o reinado à força. Para fugir da torre e salvar a família, a Princesa depende de aliados e das habilidades em artes marciais e em lutas de espada que desenvolveu longe do olhar do pai (mas não da mãe).
Com a direção do vietnamita Lê Văn Kiệt (de A Fúria), o roteiro escrito pelos estreantes Jake Thornton e Ben Lustig dilui a abordagem militante em forma de ação. Se Operação: Invasão assistiu a Rama desbravar os andares que o separavam da luta final, a Princesa (King) realiza o contrário: precisa ser a salvadora de si mesma, descer os andares da torre onde está aprisionada, lutar contra os soldados truculentos de Julius (Cooper), inclusive a amante Moira (Kurylenko), e reaver o reino da família.
Joey King destaca-se em razão da entrega e do comprometimento nas cenas de ação, que a transformam de donzela em perigo em donzela perigosa. Com o auxílio mínimo de dublês, a atriz dança o balé marcial com inversão de eixo, emprego de cabos – depois editados em pós-produção – e, o essencial, ênfase no esforço físico e na exaustão por enfrentar dúzias de homens, vestidos ou não em armaduras, com ou sem escudos, às vezes de uma só vez. A ideia é que a luta e a combatividade definem a Princesa mais do que a aliança que o pai e Julius desejavam que tivesse no dedo.
Com o passar da aventura, o vestido de casamento dela, branco e imaculado como se espera das princesas da Disney, começa a ser customizado para se adaptar à guerreira que é. Além dos rasgos das mangas ou da saia longa para facilitar a movimentação e o manejo de espada, o alvo começa a ser tingido de suor, sujeira e sangue, a ponto de equivale ao marrom que vestia quando treinava ao ar livre com Linh (Ngo). Ela e o pai, Khai (Kamiyasu), encenam o estereótipo batido do asiático nobre e hábil em artes marciais, um elemento necessário na trama, e desestimulante se considerada a temática progressista da narrativa. Nessa esteira, o humor às custas do soldado gordo anda na contramão da proposta, já que não adianta derrubar preconceitos do lado da protagonista e ser opressivo do outro.
Ao lado disso, o roteiro tenta ser politicamente relevante, enquanto disfarçado de cinema de época, ao elogiar governos acolhedores contra governos xenofóbicos. Menos sorte tem ao bater na mesma tecla de casamentos arranjados e princesas livres, assunto debatido com maior qualidade em trabalhos anteriores (Mulan e Valente).
De toda maneira, A Princesa é menos sobre o que discute ou a originalidade disto, e mais sobre como discute, ao empregar a linguagem da ação e das artes marciais como o diálogo possível contra quem tenta conservar tradições e anacronismos que apenas favorecem uma metade da sociedade, às custas do silenciamento da outra no arquétipo de esposa perfeita, princesa encantada, bruxa má, decidam. Ao abraçar a ação e relegar o restante ao segundo plano, Lê Văn Kiệt concentra-se no que melhor realiza e transforma sua aventura de época em algo breve, empolgante e divertido.
A Princesa está disponível no catálogo da STAR+
Crítico de cinema filiado a Critics Choice Association, à Associação Brasileira de Críticos de Cinema, a Online Film Critics Society e a Fipresci. Atuou no júri da 39ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo/SP, do 12º Fest Aruana em João Pessoa/PB, do 24º Tallinn Black Nights Film na Estônia, do 47º TIFF – Festival Internacional de Cinema em Toronto. Ministrante do Laboratório de Crítica Cinematográfica na 1ª Mostra Internacional de Cinema em São Luís (MA) e Professor Convidado do Curso Técnico em Cinema do Instituto Estadual do Maranhão (IEMA), na disciplina Crítica Cinematográfica. Concluiu o curso de Filmmaking da New York Film Academy, no Rio de Janeiro (RJ) em 2013. Participou como co-autor dos livros 100 melhores filmes brasileiros (Letramento, 2016), Documentário brasileiro: 100 filmes essenciais (Letramento, 2017) e Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais (Letramento, 2018). Criou o Cinema com Crítica em fevereiro de 2010 e o Clube do Crítico em junho de 2020.