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Pacto Brutal: O Assassinato de Daniella Perez

Pacto Brutal: O Assassinato de Daniella Perez

301 minutos

30 anos do assassinato que chocou o Brasil

O documentário não é a reprodução, mas a interpretação da realidade. É a perspectiva ou o recorte dos fatos, não sua exposição integral ao público, feito com o objetivo de entretê-lo e provocar reflexão e não com a esperança de convencê-lo como se fosse júri. E, em tempos de massificação do crime real como tema recorrente nos documentários mais assistidos, é relevante esclarecer que documentário não é uma matéria jornalística, que deve direito de resposta à parte que se sinta ofendida, nem tampouco é um julgamento, que é ou deveria ser imparcial. Documentário é parcial tanto quanto a ficção, embora o compromisso com o fato histórico seja a consequência de utilizá-lo como a matéria prima de sua criação e não a camisa de força que impeça esse tipo de obra audiovisual de ser livre para criar a arte que deseja criar. 

Desse modo, surpreende-me com quem ainda defenda que Pacto Brutal: O Assassinato de Daniella Perez, a minissérie em 5 capítulos sobre o crime hediondo contra a atriz, devesse ter escutado a parte condenada por assassinato. Ainda mais por ter sido ouvida nos autos do processo judicial e nos principais programas sensacionalistas da televisão, logo depois de ter deixado a cadeia. Pacto Brutal é o recorte da família que, há três décadas, convive com o fantasma da ausência provocada por Daniella depois de ter sido morta brutalmente. É também a exposição da investigação e do processo para que o espectador entenda as nuances do crime, já sacramentadas pelo julgamento, e a interpretação do impacto que teve e ainda tem. 

A minissérie é dirigida por Tatiana Issa e Guto Barra, subdividida de forma cronológica e lógica com o objetivo de compartimentalizar os temas debatidos e os retratar de maneira compreensível ao público. A investigação não teve dificuldade em identificar o assassino, graças à testemunha ocular que identificou as placas do carro do assassino e da vítima na estrada, ao lado do matagal onde o corpo de Daniella foi encontrado. Isto me leva a pensar quão perto a família e os amigos estiveram da impunidade, sem perceber, pois só bastaria a desatenção da testemunha para a investigação desandar. Pois, sem o principal suspeito na madrugada do crime, talvez não houvesse a possibilidade de periciar o arranhão na pele do assassino ou a adulteração da placa de seu carro. 

A ideia de que a investigação pôde estar por esse fio é confirmada ao perceber a ingerência do poder para exonerar a cúmplice pelo assassinato e a participação decisiva de Glória Perez, que tomou a iniciativa de reunir as evidências testemunhais para que a reconstrução dos fatos por parte da acusação fosse coerente e enriquecida em provas circunstanciais e materiais. 

Por falar em Glória, assisti-la na minissérie é um misto de sentimentos diante da revisitação da dor – ao recordar que poderia ter se levantado da mesa antes de se despedir da filha no fatídico dia de sua morte – e da reunião de forças para olhar o passado com complacência e ternura – ao refletir, apoiada na razão, de que não deveria se sentir culpada; porém, tomada pela emoção, sente-se culpada, pois, em razão da novela que escreveu (De Corpo e Alma), a filha entrou em contato com o assassino. Já Raul Gazolla ainda conserva a intensidade de sentimentos e é possível enxergar, na pele do ator, feridas que jamais serão cicatrizadas, passem 3 décadas, passem 30. 

O documentário ainda alimenta o espectador com reflexões obtidas na comparação entre a sociedade contemporânea e a sociedade da década de 90, cuja mente atrasada continua conservada em formol até mesmo em jovens hoje em dia: a responsabilização de Daniella pelo crime que sofreu com a atenuação consequente da culpa dos assassinos, e o modo sensacionalista com que o crime foi retratado na imprensa – com holofotes à personalidade narcisista e psicopática dos criminosos – e discutido na sociedade. Holofotes intensos que o tornaram pastor evangélico mesmo que não haja o menor resquício de arrependimento nas falas reunidas durante a narrativa. Apenas mentiras. 

Mesmo que dedique óbvia atenção à figura dos assassinos, até para entender o que leva ao cometimento de crime bárbaro, Pacto Brutal não deixa de celebrar Daniella. Em parte a partir de material de arquivo, mais restrito em razão de a atriz ter só filmado três novelas até então. Uma outra mantida viva na memória daqueles que a amaram e não deixam de amar, que choram a saudade da flor arrancada precocemente, eternizada no amor, na tragédia e na semente plantada por Glória com a mudança da legislação leniente e frouxa contra estes crimes hediondos. 

Pacto Brutal está disponível no catálogo da HBO Max

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