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Oppenheimer

3.5/5

Oppenheimer

2023

180 minutos

3.5/5

Diretor: Christopher Nolan

Nos dias 6 e 9 de agosto de 1945, os Estados Unidos da América lançaram, respectivamente, as bombas de urânio (little boy) e plutônio (fat boy) sobre as cidades de Hiroshima e Nagasaki. As duas explosões provocaram a morte de 120 mil pessoas no mesmo dia em que foram lançadas, e mais de 240 mil nos meses seguintes, decorrente de queimaduras e envenenamento radioativo – a maioria civis. Gerações conviveram com a incidência de tipos variados de câncer, além do medo que se enraizou pela morte que vinha do céu.

O filme de Christopher Nolan tem a Experiência Trinity, a primeira explosão teste da bomba nuclear, como evento divisivo não apenas para o filme, mas para o arco do protagonista que nomeia o longa. Oppenheimer se divide em três acontecimentos: duas sabatinas (que mais parecem julgamentos) e sucedem os bombardeios e as lembranças do cientista vivido por Cillian Murphy. Enquanto a perspectiva de Robert Oppenheimer é retratada em cores, o olhar do mundo sobre o “pai da bomba atômica” é visto em preto e branco. A escolha dessa fotografia realça o maniqueísmo depositado sobre o cientista. Não a respeito de seu experimento ter ceifado a vida de milhares de pessoas, mas com relação à sua lealdade com a pátria. Robert Oppenheimer tinha ao seu redor pessoas associadas ao Partido Comunista Americano, o que gerava incômodo ao governo americano.

Em alguns momentos é enfadonho acompanhar a narrativa que se arrasta ao longo do processo de construção da bomba. Apesar de construir uma tensão em cima de uma corrida para ter em mão a maior ferramenta de Thanatos antes do exército de Hitler, o filme se prolonga demais ao se concentrar nesse ato. Ainda que não seja o mais didático dos filmes de Nolan a respeito de teorias científicas, os eventos que sucedem à bomba são muito mais instigantes que o processo. O ritmo também acaba sendo comprometido por uma montagem que, além de trazer pouco dinamismo à obra, confunde o espectador a respeito dos trechos em preto e branco. É como se o diretor não conseguisse costurar de maneira eficiente, ou com segurança, aqueles três eventos dentro da mesma narrativa através de uma construção não linear.

A bomba, mais que uma arma, um personagem na narrativa / Foto: Divulgação

 Enquanto está sendo julgado por possíveis vazamentos dos experimentos a respeito da bomba atômica, somos colocados diante de questionamentos maiores. Seria Robert Oppenheimer o Prometheus moderno, aquele que concedeu o fogo aos homens e esses mesmos homens usaram o presente titânico para se destruírem, ou ele é o próprio quarto anjo da morte do Apocalipse? O diretor nos entrega a sentença sobre Oppenheimer. Ler o personagem é um tanto difícil, por mais que frequentemente nos vemos encarando-o muito de perto. O olhar de Cillian é distante. Quando se dá conta do resultado de sua criação, se vê corroído pelo arrependimento. Apesar de atormentado pela dor e destruição, a câmera nos coloca bem próximo do personagem. Mas ainda assim existe uma recusa em quebrar a quarta parede para ser encarado. Parece um grande esforço para que nos apiedemos daquele homem que viveu a glória de seu experimento e se encontra com a credibilidade em cheque.

O fato de Robert Oppenheimer ser um teórico da ciência comandando o evento cuja práxis determinaria o rumo da humanidade traz uma ambiguidade inquietante. Como o único trabalho material de um homem das reflexões poderia ser tão mortal? Existe também um quê de leniência dentro do filme partindo dos demais personagens que constantemente elevam o status do protagonista, reforçando sua genialidade e até mesmo justificando-o através de sua inteligência. Outra questão que me traz incômodo é a forma com que o filme destaca as conquistas românticas / sexuais do Oppenheimer com as personagens femininas que o orbitam. Nolan sublinha esse aspecto da biografia do cientista, quase como um adolescente entrando na puberdade admirando um pôster de seu astro de rock favorito. Isso também se reflete na forma com que trata as mulheres da narrativa. Kitty Oppenheimer (Emily Blunt) rouba a atenção para si toda vez que entra em cena. Assim como Jean Tatlock (Florence Pugh), a amante do cientista. Ambas em tela são tão ou mais potentes que as bombas que devastaram as cidades de Hiroshima e Nagasaki. Mas infelizmente o tempo de ambas é reduzido na trama em momentos instrumentais para celebrar homens e suas idealizações fúteis.

Ainda que às sombras, deslocada no quadro, Emily Blunt engrandece sua personagem / Foto: Divulgação

Por falar em futilidade, o ponto alto do filme é a respeito da disputa entre Oppenheimer e seu nêmesis oculto, Lewis Strauss (Robert Downey Jr.). A revogação de sua habilitação de segurança pela CEA – Comissão de Energia Atômica dos Estados Unidos havia sido uma armadilha montada por Strauss como uma vendeta pessoal nutrida por um episódio em que Strauss se viu humilhado e ofuscado por Oppenheimer. Vemos a exposição de antagonista e protagonista nesse que é o melhor terço do filme. Esse é o trecho que nos deixa mais próximo desses personagens. É trazida a analogia de dois escorpiões presos em uma garrafa que inevitavelmente irão tentar matar mutualmente. Essa mesma analogia se aplica às nações beligerantes, também comandada por homens, que diante de armas de destruição em massa, colocam a vida humana em risco por motivos igualmente fúteis disfarçados de soberania e patriotismo.

O nascimento da própria bomba, que é um personagem vivo dentro da narrativa, celebra a ciência mas também a morte. No tedioso processo de criação dessa arma, há uma repetição da justificativa de que é necessário produzi-la antes das forças de Hitler – Oppenheimer é de origem judia. Essa corrida contra o tempo parece desfocar os envolvidos da possibilidade de destruição do mundo. A reprodução da detonação da bomba durante a Experiência Trinity é um espetáculo imersivo apesar de um fetiche mórbido do diretor. Somos hipnotizados pela imagem do fogo. O silêncio se perpetua enquanto somos colocados diante das formas – quase sempre fálicas – das chamas. Em seguida, somos arrebatados pelo rompante do som. Esse delay entre imagem e som traz, além de realismo, uma reflexão a respeito do poder de destruição. Somos praticamente transportados para o local da explosão, e é quase possível sentir o calor. O fogo consome o nosso olhar.

 Eu pude assistir numa sala Imax, o que recomendo para esse filme. Além do tamanho da tela, a mixagem e edição de som do filme são os pontos altos da experiência. A trilha sonora, inclusive, é responsável por sustentar a dramaticidade do filme. Ainda assim, Oppenheimer se revela um filme pretensioso. Nolan se orgulhava de seu comprometimento com o uso de efeitos práticos para reproduzir a bomba e acabou demonstrando o quão carente de humanidade sua obra é. A maquiagem do filme quando mostra os personagens envelhecidos merece ser aplaudida. É cansativo perceber a autopromoção do diretor com os efeitos práticos a respeito da bomba e escantear aqueles que evidenciam a humanidade de seus personagens. Seu filme é uma grande celebração da masculinidade tóxica disfarçada de amor pela ciência. O advento do som no cinema se mostra o elemento mais importante ao projeto. O som é responsável por evocar a emoção ao longo do filme. Mais até que as interpretações e do ir e vir de diversos artistas conhecidos que fazem participação ao longo da narrativa. Sem o som, Oppenheimer seria um filme morno, apesar de todos os frames retratando o fogo tão de perto.

Oppenheimer estreou dia 20 de julho nos cinemas.

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