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Um Lugar Bem Longe Daqui

Where the Crawdads Sing

125 minutos

Adaptação do best seller de Delia Owens troca a natureza pelo romance

Não tenho familiaridade com a obra da zoologista e conservacionista Delia Owens senão os resultados apresentados nos buscadores, tampouco li o seu livro best-seller Um Lugar Bem Longe Daqui, mas a percepção que tive após o fim da adaptação era mais jurídica do que emotiva: como julgar, segundo as leis da sociedade, uma pessoa excluída desta sociedade? 

Isso porque Kya (Jojo, na infância; Daisy, na adolescência e idade adulta) morava com a família em um casebre construído às margens do pântano e longe do centro da minúscula cidade de Barkley Cove. A mãe suportou o abuso e a violência domésticas até onde pôde, abandonando marido e filhos; estes, um a um, também foram embora. Somente restaram Kya e o pai (Garrett), até o sujeito violento e traumatizado pela guerra deserta-lá também. 

A menina do brejo, apelido pejorativo dado pela mesma sociedade que a julgará, não pôde estudar e aprendeu acerca da vida a partir do contato com a natureza que a cerca. Enquanto isto, Kya só teve a ajuda e companhia de pessoas igualmente marginalizadas nos Estados Unidos após o fim do segregacionismo das Leis Jim Crow: os comerciantes negros Mabel (Michael) e Jumpin’ (Sterling). Na adolescência, envolveu-se com Tate (Taylor), filho de pescador local mas que a deixou para trás para estudar biologia na universidade. Anos depois, relacionou-se com Chase (Harris), filho da elite de Barkley Cove e que é encontrado morto como premissa. Pode ter sido acidente ou suicídio, mas a suspeita recai de imediato em Kya, associada também por provas materiais. 

O advogado aposentado Milton (David) decide defendê-la no julgamento, oportunidade para que a direção de Olivia Newman adote uma estrutura até certo ponto trivial de vai-e-vem no tempo. O passado de Kya é ilustrado paulatinamente para que a audiência familiarize-se com a mulher introvertida e antissocial no banco dos réus (algumas criaturas vivem em conchas, cita a protagonista, referindo-se a si mesma). No presente, promotoria e defesa interrogam pessoas e produzem provas para tentar convencer o júri da inocência ou culpa. Um julgamento de faz de conta, até no sentido narrativo, pois a direção está despreocupada com o veredito e atenta à evolução de Kya e a relação com o meio ambiente e a sociedade. 

É natural a adoção do verde como tom central na fotografia de Polly Morgan (de Lucy in the Sky). Não haveria cor diversa a ser escolhida quando Kya estivesse em seu habitat natural, cercada pela natureza. Entretanto, a cor é adotada no mundo social, dando-me a impressão de que natureza e sociedade convergem na perspectiva da protagonista. Se Kya aprendeu a sobreviver sozinha na natureza, então deve compreender a fazer o mesmo na sociedade. 

Contudo, o roteiro adaptado por Lucy Alibar descarta o julgamento, bastando-lhe detalhar a acareação desta ou daquela testemunha, e descarta aprofundar-se na experiência de Kya, a fim de se dedicar à construção do triângulo amoroso. É uma alternativa comum em obras dirigidas ao público jovem adulto, em que mulheres socialmente marginalizadas (vide Bella  de Crepúsculo e Katniss em Jogos Vorazes) transformam-se no objeto do afeto de homens representativos de valores distintos. A autoafirmação através do relacionamento não ajuda a dimensionar essas personagens, só as reduzem a um mínimo denominador comum dos relacionamentos. 

No caso de Um Lugar Bem Longe Daqui, relacionamentos prejudicados ou pela atuação emborrachada e inexpressiva de Taylor John Smith ou pelo semblante de vilão de novela das sete de Harris Dickinson, cujas ações sequer deixam vestígios de dúvida de qual seja a sua verdadeira intenção. Resta a Daisy Edgar-Jones (da ótima minissérie Normal People e do terror Fresh) a tarefa de adicionar algum nível de profundidade à encenação pedestre e água com açúcar de um drama sobre a superação de adversidades maiúsculas – o abuso e abandono familiar, a negligência social e a solitude em ambiente inicialmente hostil – até a descoberta da própria voz. 

Além do mais, tenho ressalvas com a revelação feita pelo roteiro no epílogo. Não adiciona nada que não houvesse sido sugerido enfaticamente pela própria Kya, desperdiça o véu de possibilidades de resolução do mistério e somente sacia o espectador que exige a narrativa mastigadinha para apreciá-la. Não bastasse isso, se o julgamento está em segundo plano e conveniência para conhecermos aquela mulher marginalizada por décadas, de que modo a revelação feita ajuda na pretensão da narrativa senão em enfraquecê-la? 

Um Lugar Bem Longe Daqui estreia nos cinemas brasileiros quinta-feira, 1º de setembro.

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