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Wasp Network

Wasp Network

130 minutos

Co-produzido pela brasileira RT Features, “Wasp Network” (ou Rede Vespa) tem um pedigree irresistível. Seu diretor, o francês Olivier Assayas, é comandante de importantes obras do cinema contemporâneo, como “Acima das Nuvens”, “Carlos”, “Irma Vep”, “Personal Shopper” dentre outras. Seu elenco é composto por um mosaico de talentos do cinema latino-americano: o nosso Wagner Moura, o argentino Leonardo Sbaraglia, o mexicano Gael García Bernal, a espanhola Penélope Cruz, a cubana Ana de Armas e o venezuelano Édgar Ramirez. E, para fechar com chave de ouro, a trama adapta uma história real interessantíssima, a de como espiões cubanos foram infiltrados na Fundação Nacional de Cuba Americana (FNCA), um grupo de dissidentes contrários a Fidel Castro e apoiado pelo governo norte-americano, e impedirem diversos atos terroristas cometidos em nome da contra-revolução ao regime comunista.

Com este capital humano talentoso e esta premissa, é decepcionante que o resultado seja um desastre do início ao fim. A impressão é de que Assayas realizou apressadamente a obra a tempo da inscrição no Festival de Veneza, com um desmazelo notório na forma como são mal estruturados os eventos. Sem nenhum critério aparente, a narrativa passeia cronológica e geograficamente entre Cuba, Miami e países caribenhos, somente mencionando a tal Rede Vespa após decorridos mais da metade de sua duração. Se a intenção era inserir uma virada no roteiro, que ao menos isto fosse feito com maior esmero, não através de uma narração in off que destoa do restante da narrativa por se tratar de um recurso empregado somente nesta ocasião. É um indicativo preocupante de que a direção não soube ilustrar, visualmente, o que precisou contar didaticamente ao espectador.

A sensação é a de que a trama está mal acabada e executada, com a aparência de haver sido planejada e dimensionada de qualquer jeito para caber dentro de um longa-metragem. Note como certos personagens não desempenham qualquer função dramática dentro da narrativa, senão adicionar mais um nome ao elenco. É o caso de Wagner Moura e Ana de Armas, que entram e saem da narrativa, como se fossem apêndices cuja história pareceu atraente apenas por sua conclusão. Já Leonardo Sbaraglia e Gael García Bernal mal conseguem, embora se esforcem, estabelecer personagens que não pareçam meros artifícios unidimensionais para o roteiro caminhar adiante. E se a normalmente eficiente Penélope Cruz está abaixo do esperado – culpa do roteiro que, num instante, insere uma sequência em que confidencia que jamais retornará aos braços do marido para, na aparição seguinte, cerca de 15 minutos depois, estar acertando os detalhes que faltam para morar em Miami -, falta a Édgar Ramirez não dedicação, mas refinamento no texto para que seja a âncora emocional que tanto requer a narrativa.

Aliás, uma história igual a esta exigiria, ao menos, diálogos mais sofisticados e inteligentes mais compatíveis com o esperado de suspenses de espionagem. Entretanto, os personagens parecem dedicados a conversar trivialidades mais condizentes com um rascunho descartado da primeira versão do roteiro do que a versão final. Refiro-me, como remissão, ao bate-papo entre René e Roque dentro do ônibus ou aquele envolvendo o primeiro, sua esposa Olga e Gerardo. A propósito, reforça este argumento a descontinuidade de certas passagens, dando a sensação de que há uma lacuna criada na sala de montagem ou pela falta de uma cena não gravada (acredito na última opção) que moveria o relacionamento entre dois personagens de uma sequência a outra. Se o casamento entre Roque e Ana saí dos trilhos antes que possamos perceber uma tendência para que isto ocorra de forma natural, não abrupta, mal sabemos para quem René trabalha em certo momento, já que sua mudança de emprego é uma tendência que, obviamente, despertaria desconfiança das autoridades norte-americanas.

Quanto mais reflito a respeito da narrativa, mais encontro defeitos gravíssimos no roteiro. A introdução, no começo do terceiro ato, da figura responsável por atos de terrorismo é de um amadorismo inexplicável que, ainda, altera o ritmo da narrativa de forma vertiginosa. E, o que dizer de uma meia dúzia de espiões, citados de passagem apenas para reaparecer no clímax? A propósito, a pá de cal é a explicação pobre do funcionamento da Rede Vespa que intitula o filme, plantando mais perguntas do que respostas na maneira de atuação do coordenador da operação e de como, finalmente, este seria descoberto.

Para não decepcionar a má qualidade da narrativa, a fotografia de Yorick Le Saux e Denis Lenoir é feia de se ver, chapada como se os profissionais falhassem no emprego da iluminação para criar volume e textura em composições desinteressantes e que nada (ou muito pouco) têm a falar a respeito dos personagens. Igualmente, a montagem de Simon Jacquet é vítima do mau planejamento e decupagem de Assayas, investindo em dissoluções e cortes ao escuro como se não houvesse mais recursos para transitar de uma cena a outra. Pior, falta coesão à narrativa, esquecendo personagens apenas para reencontrá-los instantes depois ou adicionando pontos de virada de modo desajeitado (como aquele que descortina a Rede Vespa), mas isto pode ser atribuído à direção, que preparou um corte diferente após as críticas recebidas no Festival de Veneza, supostamente para tentar ganhar maior fluidez.

Tendo como ponto algo a entrevista de arquivo de Fidel Castro, relatando a hipocrisia norte-americana em relação à espionagem cubana, “Wasp Network” é um desastre perfeito, o mínimo denominador comum de seus profissionais talentosos, inaptos a tornar envolvente cinematograficamente uma daquelas premissas que muitos diretores matariam para colocar as mãos.

Crítica publicada durante a cobertura da 43ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo

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