Drama de amadurecimento tem elementos formais e estilísticos remissivos à Moonlight, mas identidade e temas próprios
A estreia na direção de longas-metragens do diretor Miles Warren, cujos estilos e atmosfera evocam o cinema de Barry Jenkins de Moonlight e Se a Rua Beale Falasse, esteve dentre o recorte dos filmes que apreciamos para o Júri da Fipresci e é meu favorito. A partir de uma estrutura amarrada em torno do adolescente Darious, Miles analisa a masculinidade tema daquele vencedor do Oscar, mas sob o ângulo da violência, desenvolvendo a ideia contida no curta homônimo lançado no ano anterior.
Darious, interpretado por Jalyn Hall, estuda em um internato de alto padrão e retorna à casa dos pais para passar férias. Apesar do carinho de Mônica (Azoroh), a mãe, e dos esforços de Malcolm (Anderson), o padrasto, que negocia a bolsa para mantê-lo no colégio, Darious não se sente pertencente naquele mundo. Para piorar, além de ter as ligações rejeitadas pela namorada, um jovem das redondezas o espanca sem piedade. Darious torna-se mais introspectivo, até conhecer Porter (Rhodes), que descobrirá ser seu pai biológico. A relação dele com Porter não é aceita por Mônica e, sobretudo, por Malcolm, e ambas as figuras masculinas disputarão guerra emocional e física para disputar o protagonista.
Muitos elementos de Moonlight estão costurados, com êxito, no tecido da narrativa: a trilha sonora de Robert Ouyang Rusli remete à atmosfera meditativa da composta por Nicholas Britell; os enquadramentos em primeiro plano do diretor de fotografia Justin Derry exploram a alma e os sentimentos dos personagens da maneira como James Laxton proporcionou no vencedor do Oscar; já a montagem de James LeSage evoca a turbulência interna do jovem protagonista com idênticos ritmo contemplativo e desapego de uma forma cinematográfica realista, como se estivéssemos no mundo das percepções e dos sentimentos, não somente dos fatos.
Enquanto isso, Miles Warren esquadrinha a narrativa dentro da razão de aspecto 4:3, o que comprime e sufoca Darious dentro da claustrofóbica trajetória de descobrir em que homem deseja amadurecer. A razão de aspecto ainda dificulta a oportunidade de os personagens interagirem no quadro, de tal forma que, na maioria dos enquadramentos, os personagens são enxergados a sós, ansiando por contato que não parece possível pelo apertado quadro cinematográfico. E, quando o quadro é ocupado por mais de uma pessoa, o contato não parece ser autêntico na maioria dos casos, a exemplo do convite para que Darious venha e dê um abraço na família. Não é uma ação que parte do desejo dele, mas da convocação, a qual deve obediência.
Pensado em aspectos formais, Bruiser sugere um futuro promissor para Miles Warren. Em certo momento, Malcolm está mergulhado na escuridão de suas mentiras, fotografado sob a iluminação escassa que mal permite distinguir o contorno de seu rosto. Noutro, dois homens brigam no campo, iluminados intermitentemente por uma luz vermelha que os animaliza. A propósito, a cor vermelha está presente dentro da fotografia sépia outonal como símbolo em contraste com a camisa de Bruce Lee, um advogado da autodefesa, não do ataque.
A associação entre a masculinidade e a força, sinônimo de agressividade e musculatura, é contestada a partir de elementos sugestivos: o peso no banco de supino que Darious retira do suporte, mas não consegue erguer acima do peito, sufoca-o, até o padrasto ajudá-lo. Já as brigas físicas tentam decidir quem é a presa e o predador, afastando as personagens femininas, a amiga June ou a mãe, com quem Darious aprende a dirigir, uma habilidade com um resultado prático para a narrativa e um significado metafórico, por ser sinônimo de agência, controle. A própria semelhança entre os penteados de Darious e Porter evidencia o questionamento da narrativa se a violência é característica genética herdada ou se pode ser desconstruída.
Bruiser é desenvolvido dentro da bem-vinda simplicidade de um drama de amadurecimento, com decisões formais e estilísticas diluídas na crítica às formas de paternidade retratadas: a do pai emocionalmente desconectado dos anseios do filho e a do pai ausente, que regressa à força para a vida do filho. Eu gostaria de ter premiado Bruiser com o prêmio do júri, e, ainda que tenha sido voto vencido, acredito que o espectador irá gostar de descobrir o filme e conhecer o jovem e promissor diretor detrás dele.
Bruiser não tem data de estreia no Brasil. A produção foi adquirida pela Onyx Collective, da Disney, recém premiada no Oscar com Summer of Soul.
Filme assistido no 47º Festival Internacional de Cinema de Toronto
Crítico de cinema filiado a Critics Choice Association, à Associação Brasileira de Críticos de Cinema, a Online Film Critics Society e a Fipresci. Atuou no júri da 39ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo/SP, do 12º Fest Aruana em João Pessoa/PB, do 24º Tallinn Black Nights Film na Estônia, do 47º TIFF – Festival Internacional de Cinema em Toronto. Ministrante do Laboratório de Crítica Cinematográfica na 1ª Mostra Internacional de Cinema em São Luís (MA) e Professor Convidado do Curso Técnico em Cinema do Instituto Estadual do Maranhão (IEMA), na disciplina Crítica Cinematográfica. Concluiu o curso de Filmmaking da New York Film Academy, no Rio de Janeiro (RJ) em 2013. Participou como co-autor dos livros 100 melhores filmes brasileiros (Letramento, 2016), Documentário brasileiro: 100 filmes essenciais (Letramento, 2017) e Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais (Letramento, 2018). Criou o Cinema com Crítica em fevereiro de 2010 e o Clube do Crítico em junho de 2020.
1 comentário em “Bruiser”
Pingback: This Week at the Movies (Sep. 23, 2022) – Online Film Critics Society