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Passagem

Causeway

92 minutos

Jennifer Lawrence retorna às origens em drama minimalista da mesma diretora da série Maid

Jennifer Lawrence tem realizado retorno gradativo aos cinemas. Após protagonizar, ao lado de Leonardo DiCaprio, a comédia satírica apocalíptica Não Olhe para Cima, a atriz retorna às origens do cinema independente com este Passagem, drama produzido pela A24, com a direção de Lila Neugebauer, à frente da minissérie da Netflix Maid. Contudo, embora pertinente, o estudo de personagem realizado pela diretora é minimalista de tal maneira a desligar o centro emocional do espectador em uma narrativa destituída de vestígios de emoção. 

Lawrence interpreta Lynsey, uma engenheira a serviço do exército americano na Guerra do Afeganistão que retorna aos Estados Unidos para se reabilitar, física e emocionalmente, depois de o veículo de transporte ser alvo de uma mina terrestre. Ao regressar a Nova Orleans, em que retorna à casa da mãe (Linda Emond), Lynsey aceita o emprego de limpar piscinas – enxergada de forma simbólica pela narrativa – enquanto aguarda o médico que a acompanha liberá-la para retornar à guerra. Enquanto recebe negativas sucessivas, Lynsey inicia amizade com James (Brian Tyree Henry, de Atlanta), que também tenta se recuperar do acidente que provocou e que lhe custou muito caro. 

Emocionalmente, há muito em jogo na narrativa. Lynsey encara o estresse pós-traumático em forma semelhante ao do Sargento William James de Guerra ao Terror, alienada a crer não pertencer àquela sociedade, mas à guerra do outro lado do mundo. Lynsey até rejeita o diagnóstico, afirmando que o trauma por que atravessa é anterior à guerra, o que incendeia os momentos que compartilha com a mãe, em que o ressentimento permanece escondido debaixo do véu da sugestão. Enquanto isso, James sobrevive com fantasmas do passado. A oportunidade emocional e afetiva proporcionada pelo relacionamento com Lynsey é uma espécie precária de porto-seguro onde o personagem amarra alguma forma de esperança. Ainda há a discussão a respeito da dependência alcoólica da mãe de Lynsey, embora este tema seja mantido de maneira superficial. 

O roteiro escrito a seis mãos por Otessa Moshfegh, Luke Goebel e Elizabeth Sanders é bem intencionado e investiga, igual a Maid, a dinâmica da classe média baixa americana, com o apagamento da classe média alta e rica – os donos da residência onde Lynsey presta serviço estão de férias. Nesta Nova Orleans escura e sombria, com fotografia dessaturada, somente há espaço para as almas quebradas iguais aos co-protagonistas, que tentam se apoiar uns nos outros para se manterem de pé. Há uma quantidade reduzida de ambientes onde podem se encontrar, seja no bar ou na porta de casa, com o roteiro optando em se aprofundar em cada momento, potencializando-o ao máximo ainda que isto o leve rumo ao mundano ou trivial. 

Gosto da vulnerabilidade demonstrada por Bryan Tyree Henry, ator que admiro, enquanto a atuação de Jennifer Lawrence remete o espectador à de Inverno da Alma, criada a partir de detalhes no lugar de excessos. Entretanto, em certos momentos, a atriz exagera. A maneira de caminhar enquanto projeta o ombro para frente aproxima-se de estereotipar Lynsey, ou masculinizá-la, em razão da homossexualidade da personagem. 

Atrás das câmeras, Lila Neugebauer deixa os atores à vontade para que a ação aconteça e a aproximação seja construída gradativamente. A piscina, além de evidenciar um abismo de desigualdade social na comparação entre a de plástico montada no quintal e a construída, é também metáfora da maneira como a narrativa (ou a protagonista) enxerga a contribuição do exército à sociedade, mantida invisível. 

Enquanto escrevo a crítica, até consigo sentir a emoção que a narrativa sozinha não pôde me trazer naquele momento. Entretanto, o hermetismo de Passagem e más decisões criativas de Jennifer Lawrence interferiram, decisivamente, em minha relação com o filme. 

Passagem estreia 4 de novembro na Apple TV+.

Filme assistido no 47º Festival Internacional de Toronto

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