Um drama fajuto e convencional repleto de emoções fabricadas e artificiais
Não sou aquele crítico que se preocupa muito com clichês. A vida é repleta deles. O que dói é o apego cego de produções a convenções e soluções de roteiro previsíveis e impossíveis de serem ignoradas e que diluem a emoção (ou qualquer coisa parecida com emoção) no gênero dramático, de tal modo que o torna semelhante à água salobra. Prisoner’s Daughter é um drama salobro, em que seus bons intérpretes (Kate Beckinsale e Brian Cox) não têm a mínima chance de reerguer a narrativa diante de um roteiro algoritmo.
A história inicia no presídio onde está preso Max (Cox), que recebe a oportunidade de saída solidária por ser paciente terminal de câncer e manter bom comportamento (o protagonista gerenciava um grupo de apoio para dependentes químicos), com duas condições: a utilização de tornozeleira eletrônica e que a filha, Maxine (Beckinsale), que abandonou quando era garota, aceite-o em casa. Maxine, cujo nome alude ao narcisismo do pai, reluta até aceitar Max por causa de dificuldades financeiras. Seu filho, Ezra (Christopher Convery), precisa de medicamentos controlados para enfrentar episódios epilépticos; para piorar, Maxine é demitida do emprego de garçonete depois do irresponsável e viciado pai de Ezra (Tyson Ritter) agredir o proprietário do estabelecimento, como o resultado da discussão em que cobra participar da criação do filho.
A partir da sinopse, dá para imaginar para onde a narrativa dirigida por Catherine Hardwicke caminha. Max e Maxine atravessarão uma estrada emocional até que a filha, naquele instante clássico de mágoa reprimida retratada de modo sentimentalista, abaixe a guarda e aceite o apoio emocional e financeiro do pai. Já o espirituoso Ezra, que enfrenta o bullying no colégio, aprenderá a se defender com o ex-pugilista avô (embora pense ser tio distante) e um episódio de epilepsia aguarda na curva do clímax. Enfim, Tyler encontrará dificuldade em administrar o vício complicado pela negativa de Maxine de compartilhar a guarda de seu filho.
Catherine Hardwicke, depois de estreias com os ótimos Aos Treze e Os Reis de Dogtown, não encontrou mais o caminho criativo com Crepúsculo, A Garota da Capa Vermelha, Já Estou com Saudades e a refilmagem de Miss Bala. Sem a mínima decisão cinematográfica que ajude a narrativa a respirar além do drama sufocante, a diretora encena o roteiro com a alternância entre planos e contraplanos e nada mais do que isso. Catherine ainda percorre, sobre a corda bamba, a discussão que há sobre a adoção da violência como o recurso para ser aceito na sociedade. Max trabalhou com o crime organizado como braço de ferro, Ezra recorre à violência para parar o assédio dos bullies – o fato de a mãe recebê-lo com alguma satisfação no sorriso anula o arrependimento posterior do garoto – e Tyler eventualmente se torna violento, exigindo alguma ação de Max, o salvador daquela família em análise final.
Se Prisoner’s Daughter deseja criticar o ciclo de violência e sugerir uma forma de quebrá-lo, apenas consegue através da mesma violência que provocou a cisão da família e a prisão de Max. E mesmo que goste da decisão altruísta do protagonista, que se enxerga quando era jovem em Tyler, a maneira como soluciona o problema central da narrativa impacta mais por ser um ato imprevisível aprisionado em um roteiro convencional. Não apenas isto, simplório. Não há conflito que Max não consiga resolver cobrando favor com a construtora imobiliária do antigo patrão ou o retorno do investimento que realizou na academia de boxe do amigo interpretado por Ernie Hudson.
Até admiro o comprometimento de Brian Cox em um papel que lhe exige além do que tem demonstrado em Succession ou de Kate Beckinsale, que tem amadurecido em uma atriz bastante interessante, mas pouco ajudam à narrativa dramática a exibir emoções fabricadas jamais genuínas e envolventes de Prisoner’s Daughter.
Não há data de estreia, nos cinemas ou no streaming, de Prisoner’s Daughter
Filme assistido no 47º Festival Internacional de Toronto
Crítico de cinema filiado a Critics Choice Association, à Associação Brasileira de Críticos de Cinema, a Online Film Critics Society e a Fipresci. Atuou no júri da 39ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo/SP, do 12º Fest Aruana em João Pessoa/PB, do 24º Tallinn Black Nights Film na Estônia, do 47º TIFF – Festival Internacional de Cinema em Toronto. Ministrante do Laboratório de Crítica Cinematográfica na 1ª Mostra Internacional de Cinema em São Luís (MA) e Professor Convidado do Curso Técnico em Cinema do Instituto Estadual do Maranhão (IEMA), na disciplina Crítica Cinematográfica. Concluiu o curso de Filmmaking da New York Film Academy, no Rio de Janeiro (RJ) em 2013. Participou como co-autor dos livros 100 melhores filmes brasileiros (Letramento, 2016), Documentário brasileiro: 100 filmes essenciais (Letramento, 2017) e Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais (Letramento, 2018). Criou o Cinema com Crítica em fevereiro de 2010 e o Clube do Crítico em junho de 2020.