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Hawa

Um estudo de personagem sobre a busca de um adolescente para ser adotada por Michelle Obama

Após ganhar as primeiras páginas do entretenimento com o lançamento de Lindinhas, na Netflix, e ser acusada (injustamente) de incentivadora e apologista à pedofilia no retrato de pré-adolescentes da periferia parisiense e a pressão imposta pelas redes sociais, a diretora franco-senegalesa Maïmouna Doucouré torna a apostar na mesma faixa etária, com a mesma ênfase de amadurecimento e pertencimento, embora sem a menor possibilidade de ser taxada de igual maneira que no longa-metragem de estreia. 

Hawa, a personagem-título interpretada por Sania Halifa, é uma garota negra albina com 15 anos de idade, que descobre que a avó (Oumou Sangaré), uma paciente terminal, está tentando assegurar que a neta tenha uma família para adotá-la. Inconformada, Hawa decide que a melhor solução é ser adotada por Michelle Obama, em visita a Paris para o lançamento de seu livro, então se esforça para participar dos eventos onde a ex-primeira dama norte-americana estará para cumprir agenda. A inocência de Hawa é o mecanismo de defesa para evitar lidar com o sofrimento provocado pela doença da avó, o modo de tomar a rédea do futuro e domar o destino. 

A direção sensível de Maïmouna bate na tecla do pertencimento, com elementos acessórios à trama central e que ressoam fortemente na busca de Hawa, a exemplo do cântico entoado pela avó e remissivo das raízes camaronesas da família ou o retorno para onde os pais vieram. Enquanto isso, Maïmouna antecipa as consequências do luto em um processo antecipatório da dor e perda, em crises de pânico da protagonista e na desconexão pessoal com o mundo real que permanece real, apesar de Hawa desejar que não seja. Assim, a avó desaparece da construção dos eventos da trama e resta à Hawa, sozinha, buscar quem a adote, dentro de uma Paris indiferente, embora não hostil, que a coloca no caminho da cantora Yseult ou do astronauta Thomas Pesquet. 

A relação entre as  pessoas comuns e as celebridades é tematizada porque Hawa somente enxerga dessa maneira Michelle Obama; todos os demais personagens são enxergados em pé de igualdade. Eles possuem utilidade para que a trama avance e dirija Hawa ao próximo ponto onde estará a mãe desejada, embora também sejam recipientes do olhar do público, sensibilizados com o ímpeto e a força de vontade da jovem protagonista, ainda que saibam que o desejo dela não será realizado. Até poderia ser, caso a narrativa não tivesse o pé no chão – é a cabeça de Hawa que não está na realidade -, mas seu objetivo não é o encontro, e sim, a busca. É nela que Hawa reúne as forças para escrever as páginas seguintes de sua vida e aprende a não fugir em direção à ilusão. 

A direção alterna entre o ponto de vista subjetivo e objetivo da protagonista. Ora enxergamos o mundo literalmente através dos óculos de Hawa; ora enxergamos de maneira objetiva, direta e desobstruída, do lado de fora, em uma jornada quixotesca, em que os moinhos de vento são os adultos que a impedem de alcançar o seu objetivo. Essa alteração de ponto de vista ainda ajuda a narrativa a contornar a escalação impossível, fabricando um momento em que o sentido da visão é substituído pelo do tato. 

Mesmo que a Paris fotografada por Antoine Sanier esteja longe do apelido de cidade luz, a narrativa tem instantes de afago emocional atrás da tonalização azulada que representa a seriedade e o comprometimento com que Hawa encara a missão a que se atribuiu. Se nós temos a certeza de que momentos difíceis esperam pela incansável personagem-título, ao menos também nos certificamos de que está criando as ferramentas emocionais para lidar. A sua maneira. 

Hawa não tem data de estreia prevista nos cinemas ou no streaming.

Filme assistido no 47º Festival Internacional de Cinema em Toronto

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2 comentários em “Hawa”

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