Em termos contemporâneos, 65: Ameaça Pré-Histórica é um episódio inflado e resumido de The Last of Us. Só que com dinossauros no lugar de infectados. Com um tempo escasso para desenvolver os personagens e as relações entre eles. E um tempo igualmente curto para investir em bem construídos momentos de ação.
Scott Beck e Bryan Woods, roteiristas de Um Lugar Silencioso e da continuação, escrevem e dirigem o roteiro. Nele, o piloto Mills (Adam Driver), um pai de família relutante, aceita uma missão perigosa e deixa para trás a filha interpretada por Chloe Coleman. Durante a viagem, a nave de Mills sofre um acidente, que causa a morte de todos os tripulantes – salvo a jovem Koa (Ariana Greenblatt) – e a queda em um planeta desconhecido. Para alcançar um veículo de resgate, Mills e Koa devem atravessar e sobreviver a um território dominado por dinossauros.
65 poderia ser divertido caso abraçasse o camp da premissa e até um bom acréscimo ao gênero de ficção científica de aventura, a exemplo das séries sessentistas (Perdidos no Espaço é uma menção óbvia). Ao menos se soubesse conciliar a dramaticidade central com a encenação da narrativa: basicamente uma missão com início e fim claros e paradas no caminho para enfrentar inimigos e superar adversidades.
Entretanto, 65 é medíocre, despersonalizado e esquecível. Os diretores Scott e Bryan sabem quais botões emocionais querem apertar no espectador, só não sabem como fazê-lo. Não senti envolvimento emocional com a relação entre Mills e Koa, no máximo esquemática, e nem receio em relação ao término da aventura ou aos perigos na forma de dinossauros. A narrativa pega o espectador pela mão, dita o que deve sentir e pensar em cada momento e não perde nenhuma batida clichê do roteiro. Sabe quando um personagem diz Não, para que, na cena seguinte, faça justo o que havia negado fazer a princípio? É como se o filme fosse a concretização desse artifício de roteiro.
Falta à dupla de diretores a tensão, a inteligência e a ameaça do jovem clássico que escreveram, e que, reflito, aumenta o mérito de John Krasinski na direção de Um Lugar Silencioso.
Eu até admiro roteiristas que trocam reviravoltas (plot twists) por construções sólidas. No entanto, 65 perde a oportunidade de uma revelação tipo Planeta dos Macacos, estragada quando o título surge em tela e entendemos os numerais. Não salvaria o roteiro, mas ao menos contribuiria com uma pimenta adicional. No lugar dela, a revelação que acreditam ser surpreendente, embora seja apenas óbvia desde o momento em que Mills ensaia uma decisão extrema.
A relação pai e filha ou protetor e protegida é o fio condutor humano. Contudo, não proporciona muito com que ambos os atores possam trabalhar senão a barreira idiomática, desenvolvida sem qualquer inventividade. Koa aprende o significado de uma dúzia de palavras-chave, que, mais a frente, poderão ser úteis para sua sobrevivência. Sem esse aspecto humano para ser a matéria prima do drama, só resta a ação, encenada de modo ordinário, senão no momento lúcido em que a narrativa enfatiza o (cruel) destino do bebê triceratops salvo por Koa. É a forma da narrativa desmascarar a brutalidade do mundo em que os personagens estão, mesmo que os traumas precisem ser simplificados e superados de modo imediato.
Enquanto isso, a luta contra uma espécie de dinossauros crocodilianos é um vídeo game sem o prazer de jogar, apenas assistir. Mills resolve os encontros com armas e objetos avançados. Ou alguma forma de engenhosidade, em elementos do roteiro deixado no caminho, por exemplo o gêiser de onde escapam gases quentes. A narrativa é tão simplória que, ao me deparar com uma espaçonave virada de ponta cabeça e a chegada de um tiranossauro, sabia exatamente como os elementos seriam combinados dentro da ação e… dito e feito.
65: Ameaça Pré-Histórica era pra ser uma aventura divertida, mas apenas me aborreceu. É uma pena, porque Adam Driver leva o projeto bastante a sério. Talvez aí esteja o xis da coisa: o filme teria sido um bom entretenimento se fosse mais frívolo.
Crítico de cinema filiado a Critics Choice Association, à Associação Brasileira de Críticos de Cinema, a Online Film Critics Society e a Fipresci. Atuou no júri da 39ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo/SP, do 12º Fest Aruana em João Pessoa/PB, do 24º Tallinn Black Nights Film na Estônia, do 47º TIFF – Festival Internacional de Cinema em Toronto. Ministrante do Laboratório de Crítica Cinematográfica na 1ª Mostra Internacional de Cinema em São Luís (MA) e Professor Convidado do Curso Técnico em Cinema do Instituto Estadual do Maranhão (IEMA), na disciplina Crítica Cinematográfica. Concluiu o curso de Filmmaking da New York Film Academy, no Rio de Janeiro (RJ) em 2013. Participou como co-autor dos livros 100 melhores filmes brasileiros (Letramento, 2016), Documentário brasileiro: 100 filmes essenciais (Letramento, 2017) e Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais (Letramento, 2018). Criou o Cinema com Crítica em fevereiro de 2010 e o Clube do Crítico em junho de 2020.