“O que não me mata, me fortalece” – Friedrich Nietzsche
Havia muito tempo que eu não me sentia empolgado para assistir um filme da Marvel. A fórmula empregada em seus filmes os tornou lineares, sem deixar que os diretores tivessem liberdade para imprimir seus traços autorais. Guardiões da Galáxia foi um dos pioneiros dessa fórmula, trazendo a comédia para os filmes dos heróis desse universo fantástico. No entanto, a irreverência do humor ácido que o acompanhava acabou se perdendo ao longo dos anos, sendo substituída por um excesso de alívios cômicos fora de hora, o que me impedia de levar a sério algumas produções.
Lembro-me de como fiquei frustrado ao assistir Thor: Ragnarok, em que um apocalipse nórdico deu lugar a um bromance de duas horas, com situações vergonhosas e sucessivas bobeiras. Muitos aprovaram esse tipo de humor, mas seu uso nas demais produções acabou se tornando o pilar das tramas, em vez de ser usado como alívio quando pertinente.
O anúncio de Guardiões da Galáxia Vol. 3 conseguiu reacender meu interesse por mais um “filme de bonecos”. Ter James Gunn na direção dessa nave foi um elemento decisivo. Afinal, era dele que vinha o tipo de humor que havia me arrancado gargalhadas em momentos cirúrgicos no meio de um filme de herói, anos atrás. O primeiro longa da equipe aproveitou a oportunidade de ser um grande filme de super-heróis com personagens não tão conhecidos até então, conquistando o coração do público com o carisma de seus personagens, em uma trama de origem de um grupo de heróis improváveis.
No terceiro filme, os Guardiões da Galáxia entram em rota de colisão com o Alto Evolucionário (Chukwudi Iwuji), um cientista do espaço que pretende criar a sociedade perfeita, enquanto busca recuperar uma de suas antigas cobaias: Rocket Racoon. Logo no início, o guaxinim é mortalmente ferido por Adam Warlock, um ser poderosíssimo que está sob o comando do geneticista tirano. O grupo inicia um plano de invasão da Colmeia, o complexo científico do vilão, para buscar uma informação essencial para salvar seu companheiro.
Enquanto acompanhamos a trupe liderada pelo Senhor das Estrelas correr contra o tempo, conhecemos mais a fundo o passado de Rocket. Sua história se conecta com a de muitos animais usados como cobaias de laboratório, o que rendeu ao filme o reconhecimento do PETA (Pessoas pelo Tratamento Ético dos Animais) com o prêmio “Not a Number“. É impossível não se sensibilizar com o olhar esperançoso do jovem guaxinim e a amizade que ele possuía com seus companheiros de cárcere (uma lontra, um leão-marinho e um coelho modificados pelo Alto Evolucionário). Se antes nos conectávamos ao personagem por seu jeito, neste filme essa conexão se amplia por sua humanidade. Chega a ser irônico ver os melhores traços do que é ser humano em animais, especialmente quando construídos por CGI.
Por outro lado, vemos o pior da humanidade no vilão do filme. A falta de empatia com outros seres também é uma característica de nossa espécie. E, independentemente de já ter sido ou se parecido com um humano algum dia, o Alto Evolucionário representa o pior lado da ambição. Seu objetivo revela a megalomania de sua personalidade. Visualmente, ele se assemelha ao policial Murphy após se tornar parte ciborgue (entendedores entenderão, risos), mas seus métodos lembram os de outro personagem, este vindo da literatura: Dr. Victor Frankenstein. Fazia tempo que não via um vilão realmente ameaçador dentro do Universo Cinematográfico Marvel. A sensação é que, desde Vingadores Ultimato, havíamos ficado órfãos de um vilão dessa magnitude. Se Thanos era complexo no mesmo nível de seu poder, o Alto Evolucionário é odioso na mesma medida.
O filme nos apresenta outro herói, mesmo que posicionado do lado dos antagonistas. Adam Warlock foi criado na Colmeia como o reflexo da perfeição, assim como a trilha musical da franquia. Will Poulter confere carisma ao personagem, mas mesmo assim, ele não parece ser tão bem aproveitado. Por mais insuperável que Adam Warlock aparente ser na cena inicial, o intelecto é mostrado como distante da perfeição, ou até mesmo do ideal. No entanto, é interessante o complexo de Édipo que é subentendido na relação com sua mãe, assim como o mesmo é determinante na jornada desse herói.
A amizade construída entre os heróis continua sendo central. No entanto, a dinâmica do grupo principal se mostra diferente da exibida ao longo dos demais filmes da franquia. Além da ausência de Rocket durante a ação principal, também é notada a ausência de Gamora (Zoe Saldana) com a qual estávamos acostumados, a linha do tempo em que ela se enamorava do líder da equipe. A que está presente no longa é a filha adotiva de Thanos, que não viveu as mesmas aventuras e, portanto, tem um comportamento totalmente diferente. Peter Quill (Chris Pratt) claramente não consegue lidar com essas diferenças, mas sua depressão e “alcoolismo” são deixados de lado logo no início da missão para dar lugar ao galanteador canastrão.
O filme apresenta uma trama mais madura, graças ao seu subtexto, e tenta mostrar nossos heróis em um processo de amadurecimento, lidando com suas emoções e com suas jornadas individuais. Apesar do humor característico de James Gunn, a narrativa abraça o melodrama para emocionar os espectadores. No entanto, sinto que, em alguns momentos, as cenas são precocemente cortadas ou encurtadas, impedindo que as lágrimas de fato escorram. Apesar dos olhos marejados, as decisões tomadas pelo filme não permitem que tanto nós quanto os personagens fiquemos com as emoções totalmente à flor da pele. Apesar do tal amadurecimento almejado, o filme nos direciona mais para o riso do que para as lágrimas. E talvez seja isso que falta para que ele evolua para o estado de perfeição desejado.
JORNALISTA E PUBLICITÁRIO. Cresceu no ambiente da videolocadora de bairro, onde teve seu primeiro emprego. Ávido colecionador de mídia física, reune mais de 2 mil títulos na sua coleção. Já participou de produções audiovisuais independentes, na captura de som e na produção de trilha musical. Hoje, escreve críticas de filmes pro site do Cinema com Crítica e é responsável pela editoração das apostilas do Clube do Crítico.