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Jeanne du Barry

2.5/5

Jeanne du Barry

2023

116 minutos

2.5/5

Diretor: Maïwenn

Faz cerca de dois meses que escrevi minha última crítica: a de John Wick: Baba Yaga em meados de março. Nesse período, com exceções ou para organizar as aulas de meus cursos, mal não tenho conseguido assistir a filmes em casa, que dirá escrever. Têm me faltado desejo e tesão. 

Eu até tenho ido ao cinema, mas os meus sentimentos sobre os filmes têm permanecido em minha cabeça em vez de se materializarem em crítica. Air: A História por Trás do Logo, Dungeons & Dragons, A Morte do Demônio: A Ascensão, Beau tem Medo e Guardiões da Galáxia Vol. 3 foram alguns sobre os quais escrevi somente textos breves no instagram. Em razão disto, depositei no Festival de Cannes a esperança de reaver o amor pela escrita.

Jeanne Du Barry, o filme de abertura do Festival, é a primeira oportunidade para reacender essa chama. Entretanto, a obra dirigida por Maïwenn (do ótimo Polissia e do bom Meu Rei) é polêmica apenas em razão de eventos atrás das câmeras: a escalação de Johnny Depp, após a disputa judicial contra Amber Heard, e a agressão praticada pela diretora contra um jornalista. É que a biografia acerca de Jeanne Vaubernier, a amante do Rei Luís XV, é irregular, ainda que entretenha em razão das intrigas e dos acontecimentos que dinamizam o enredo.

O roteiro co-escrito por Maïwenn, Teddy Lussi-Modeste e Nicolas Livecchi apresenta-nos à protagonista a partir da infância. Ela é a filha da empregada de uma família bastante rica, que a enxerga, durante o período, como uma espécie de substituta de filha. Por esta razão, enviam-na de bom grado para estudar em um convento religioso, do qual é expulsa anos depois, por conta do pensamento sexual amadurecido na adolescência, em contato com certas obras literárias. Ao ser acolhida de volta na casa onde a mãe trabalha, Jeanne já é adolescente e os momentos com o pai não são mais vistos com inocência. Maïwenn é hábil em retratar a mudança somente trocando as posições entre Jeanne e o pai, para criar um efeito que não escapa ao olhar enciumado da dona da casa.

Adulta e agora interpretada por Maïwenn, Jeanne torna-se a amante do Conde du Barry e, através de uma cadeia de interesses, é apresentada ao Rei Luís XV (Johnny Depp), com quem se envolve. Apesar de apaixonados, o relacionamento entre eles não é bem recebido, escandaliza a corte francesa e é fonte de intrigas, acentuadas com o casamento entre Luís XVI e Maria Antonieta, recém chegada à corte.

Maïwenn pretende realizar a biografia que a personagem histórica ainda não pôde ter, e faz isto desde a cena inicial em que a jovem Jeanne tem o retrato dela pintado com fidelidade (embora não haja fidelidade no roteiro, salvo quando conveniete). A partir de então, a direção de fotografia de Laurent Dailland injeta na imagem um atributo pictórico, com planos frontais e abertos inspirados na estética de Barry Lyndon. Não demora para que Maïwenn abandone tal forma, em favor da encenação convencional do cinema de época, deixando-nos à deriva do motivo de ter iniciado assim. A propósito, isto obriga-me a pensar na narração, que economiza na encenação em favor da literalidade oral, mas é descartada logo após a entrada de Jeanne na corte apenas para ser retomada no fim, arrematando o destino dos personagens.

A irregularidade estilística é similar à irregularidade no tom. Jeanne Du Barry inicia como um estudo feminista a respeito da marginalização de uma mulher em razão do amadurecimento sexual à frente de um período repressor. Depois, de forma análoga à Maria Antonieta e mais ainda A Favorita, ainda que por caminhos particulares, adota a forma de uma comédia que ridiculariza os hábitos e o materialismo monárquico. Esforça-se também em ser um drama romântico em que o par central é ameaçado por forças externas contrárias ao seu amor. Não quero afirmar que não seja possível conciliar tais tons, mas Maïwenn não é hábil em fazê-lo, e às vezes sinto serem obras distintas montadas conjuntamente, que enfraquecem uma à outra.

O que é intrigante, pois as Maïwenn na obra parecem contraditórias. A personagem agarra-se à riqueza e à posição concedidas em razão do relacionamento com Luís XV. Já a diretora caricaturiza a rotina palaciana através da maquiagem, dos figurinos e das intrigas encampadas pelas filhas de Luís XV, reduzindo ao grotesco justo aquilo com que Jeanne sonha. 

A biografia diminui o apelo da biografada, não em razão do alpinismo social, mas do apego e depois do amor dela. No final, apesar de predominar o resgate histórico de Jeanne, que devolve a violência sofrida pela irreverência e carisma, há trechos que colocam em cheque a intenção da diretora, a exemplo do momento em que é presenteada com um garoto negro e escravizado na função de servente.

Em contrapartida, a atuação de Maïwenn é cativante. A energia investida na quebra de regras ultrapassadas, a afeição ao filho do Conde, Adolphe, a sensibilidade com que derruba as defesas e coloca o sorriso no rosto de La Borde (Benjamin Lavernhe) e a corrida em disparada escada acima ou escada abaixo, após a vitória em particular fazem com que nos afeiçoamos pela personagem. E, em razão dela, igualmente simpatizamos com Luís XV: que a enxerga com curiosidade antes de passar a amá-la. Johnny Depp contorna o francês com diálogos reduzidos que ainda formam o personagem para o espectador: um rei de menos palavras e mais atitude.

Comprei o amor do casal improvável e, mais importante, o desejo de viver de Jeanne, em razão de Maïwenn, atriz, e do fato de que as histórias do tipo estranho no ninho cativam-me. É um entretenimento passável em um cinema de época caprichado, mas aquém à promessa realizada no início e às possibilidades aventadas pela personagem histórica.

Crítica publicada durante a cobertura do Festival de Cannes de 2023

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