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Kubi

3.5/5

Kubi

2023

131 minutos

3.5/5

Diretor: Takeshi Kitano

Você sabe que está assistindo a um filme de Takeshi Kitano quando, ainda nos créditos iniciais, o título do filme é literalmente decapitado e a imagem seguinte revela cadáveres de samurais, flutuando no rio. Insatisfeita com este choque moderado, a câmera aproxima-se de um dos cadáveres, decapitado também, para revelar caranguejos deixando o interior do corpo. Kubi é um filme de Kitano, um jidaigeki e chanbara – o primeiro, designa o cinema de época japonês; o segundo, o subgênero samurai ou ronin – depois da farta experiência no yazuka eiga – o cinema de yakuza -, vinte anos depois de Zatoichi (2003).

Kubi é ambientado durante o século 16, período em que o sociopático Lorde Nobunaga Oda (Ryo Kase) decide governar o país a despeito dos conflitos contra os clãs rivais. Um deles é encabeçado por Murashige, que desapareceu para arregimentar um rebanho de seguidores dispostos a enfrentar o rival. Para neutralizar essa ameaça, Nobunaga reúne os vassalos Mitsuhide (Hidetoshi Nishijima, de Drive My Car) e Hideyoshi (Kitano), com a promessa de que estarão na linha sucessória caso tenham êxito. É onde entra o roteiro convoluto escrito por Kitano, que aproxima e afasta personagens, estabelece um jogo de intrigas e traições, e impossibilita, ou pelo menos dificulta, o conhecimento de que lado cada personagem está em determinado momento da narrativa.

Após um tempo, o espectador desiste de tentar entender as alianças precárias, construídas em torno de interesses temporários, e passa a apreciar que a dissimulação está no estilo da narrativa. A pretensão de Kitano não é de criar um cenário propício à discussão do período histórico, mas de empregá-lo como o pano de fundo para a discussão da natureza humana e a corrupção do poder. É uma dúzia de personagens, alguns mais interessantes do que os outros: Yuichi Kimura é o ex-ninja Sorori, habilidoso e egoísta; Shido Nakamura é Mosuke, o plebeu que desejo obter a cabeça de um samurai para que possa ser aceito como samurai (do mesmo modo que Contos da Lua Vaga). 

O êxito de Kubi é o produto da interação harmoniosa entre a solenidade típica da obra de época do período Edo e da aura que cerca samurais, ronins e ninjas, a violência gráfica e a imprevisibilidade, com a exata percepção de que nenhum personagem está livre do destino que há na ponta da espada do adversário, e o senso de humor doentio, embora divertido de Kitano. O humor brinca com a identidade de um dos líderes do clã, cujo apelido, Guaxinim, alude à existência de sósias que o substituem e que têm a cabeça decapitada em seu lugar (o Guaxinim é um animal metamorfo na cultura japonesa, um conhecimento que você pode obter no anime PomPoko, de Isao Takahata). É um humor com a mesma acidez imatura de Quentin Tarantino, tornando a violência e as suas consequências em instrumentos cômicos e caricatos.

Kubi desanda quando introduz, alienígena à diegese narrativa, a tradição do kung-fu wuxia, popularizada no cinema americano com o coreógrafo Yuen Woo-ping em Matrix e em obras como O Tigre e o Dragão. A imagem de personagens lutando enquanto voam, além de mal introduzida no tecido da narrativa, é abandonada logo depois. E tampouco havia sentido em investir nessa encenação das lutas, pois o que Kubi proporciona é uma relação mais brutal e exploratória do que poética dos toques de espada.

Aliás, não deveria haver nada de poético em Kubi. A mim, bastam intriga, traição, exagero, subversão (samurais desonrados), revisionismo (samurais cuja homossexualidade não é tema tabu, mas lidados de frente pelo diretor septuagenário) e o senso de humor sacana para que Kubi seja o que deve ser.

Crítica publicada durante a cobertura do Festival de Cannes 2023

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