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Monster

2/5

Monster

2022

125 minutos

2/5

Diretor: Hirokazu Kore-eda

Quando Akira Kurosawa dirigiu o clássico Rashomon, propôs a filosofia de que não haveria a verdade material, mas somente versões da verdade, adulteradas pelo olhar do contador de histórias que as testemunhou ou que repassou adiante. Nesse sentido, a conclusão de Rashomon é que quanto mais buscamos a verdade, mais esta se afasta de nós. A busca pode levar à verdade aproximada, mas nunca a verdade tal como aconteceu. 

Portanto, é com estranheza que recebi Monster, dirigido pelo compatriota de Kurosawa, Hirokazu Kore-eda (de Pais e Filhos, Assunto de Família e Broker). Isto porque, à medida que a estrutura narrativa desenvolve três perspectivas para compreender o que tem causado a mudança comportamental do jovem Minato, a verdade cristaliza-se. Cada olhar adiciona pedaços, no lugar de dúvidas. A adição confere robustez à versão que realmente importa: a do garoto.

Quando o roteiro inicia, Saori (Sakura Ando), a mãe, diante do comportamento taciturno do filho, chega à conclusão de que a mudança é resposta à relação com o professor Hori (Eita Nagayama). É nisto em que acreditamos até Kore-eda apresentar a visão de Hori, que modifica a compreensão acerca dos acontecimentos com a participação de Eri, um coleguinha de escola de Minato que apenas havíamos conhecido de relance na investigação materna. 

O mistério antecipa o melodrama, gênero em que Kore-eda é especializado, acompanhado da trilha sonora melancólica de Ryuichi Sakamoto. Mas a tentativa de transformar em busca o gradativo processo de amadurecimento de Minato obriga-me a questionar a relevância da estrutura adotada, bem como determinados eventos introduzidos dentro do roteiro.

É compreensível que a narrativa parte de Saori, pois a preocupação dela instiga o público a dirigir-se a Minato. Compartilhamos a busca materna, e também a hesitação, a insegurança e a relação com a diretora Fushimi (Yuko Tanaka), em cujo passado está uma tragédia que justifica uma certa distância emocional mal expressada em frieza. Entretanto, ao deslocar o ponto de vista ao professor afastado, a narrativa não se fortalece, mas é enfraquecida. O que tem a contribuir é com o famoso arenque vermelho, um dispositivo de roteiro que planta uma pista falsa – não propositadamente, mas somente porque o ponto de vista de Hori é parcial – para, depois, revisitar e mostrar que não era bem aquilo o que pensávamos. 

Aí depois chega a terceira e final perspectiva, a de Minato, que desloca a obra do campo do mistério ao do melodrama, e confere um significado diverso à palavra monster (monstro), agora usada para ilustrar a sociedade discriminatória representada pelo microcosmo escolar. Só que o cinema de Kore-eda não é juiz, é observador. Mesmo que a câmera aproxime-se, o cinema dele continua formalmente distante, ainda que os sentimentos fervam em função da incomunicabilidade e da alienação dos personagens.

A terceira parte é a mais funcional, pois abandona a busca da verdade ao apresentá-la de modo concreto, visualmente. Agora, Monster torna-se o Close deste ano, apesar de faltar à direção a sutileza de Lukas Dhont. Onde havia afeto no premiado filme belga, agora só há rótulos, retratados em uma encenação direta. Não há espaço para a sugestão ou para a imaginação que Minato e Eri tanto expressaram, e quando chega a vez de o espectador ser convidado a imaginar, o resultado é cinematograficamente trágico.

É que ao propor um final em aberto e pretensamente feliz, quando os indícios apresentados sugerem que não tenha sido assim, Monster confere um adeus caloroso como se quisesse tapar o sol com a peneira. Não há nenhuma beleza, mas Kore-eda insiste que há. Somente há chuva.  

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2 comentários em “Monster”

  1. Creio que quando filme adota uma ”verdade”, isso dá força ao descobrimento de Minato acerca de sua própria identidade, e, ao mesmo tempo, desautoriza a visão do pai abusivo de Hoshikawa, de que há pessoas com cérebro de porco. Então, acho interessante o longa tomar esse partido, pois retrata muito como nós, os observadores, tomamos com certezas alguns fragmentos descontextualizados da verdade, aqui, a identidade de um garoto. A verdade, então, ao ser retrata pela imaginação do outro, ganha contornos concretos no final; é nomeada e expressa sem ambiguidade. Não sei se uma abordagem meio ”rashomoniana” contribuiria pra semântico do filme.

    Pessoalmente, no terço final, eu senti que formalmente não estava tão distante quanto nas duas primeiras partes. No começo, há muitos cortes abruptos (que dá essa sensação de fragmentos da ‘verdade) e sempre uma filmagem em locais escuros e ”quadrados”. Já na parte dos garotos, a ”verdade” é posta em sua ”essência”, sem indícios ou cortes; e se antes havia planos meio ‘burocráticos’ como na escola, no final, há um plano aberto em um lugar extremamente verde e em trilhos (lugar que contrasta com o trem parado).

    Enfim, discordo, mas adorei a sua crítica. Muito boa. Ando procurando críticos para ler e fico muito feliz de ter lhe achado!

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