Aumentando seu amor pelo cinema a cada crítica

A Brighter Tomorrow

2/5

Il Sol Dell'Avvenire

2023

96 minutos

2/5

Diretor: Nanni Moretti

O italiano Nanni Moretti tem a capacidade de dirigir dramas (O Quarto do Filho, Mia Madre) com a mesma desenvoltura com que realiza comédias (Habemus Papam), embora às vezes realize atrocidade iguais a A Brighter Tomorrow, uma comédia metalinguística em que Nanni interpreta um diretor de cinema tentando realizar um filme e que serve de metáfora perfeita ao filme que, de fato, está realizando. A sensação é de que, depois de obter financiamento, Nanni precisou descobrir que filme iria fazer, e sacou a carta branca da obra metalinguística e ainda por cima felliniana que o tornaria imune a críticas.

Nanni interpreta Giovanni (Nanni, Giovanni, rima), um cineasta que está dirigindo uma obra a respeito da chegada de um circo húngaro em Roma, contemporânea à Revolução Húngara de 1956, contrária ao regime soviético de Josef Stalin (cuja estátua é derrubada no início). Há ecos de uma crítica indireta à invasão soviética na Ucrânia, que, apesar de não ser infundada, mais me pareceu coincidental. Após a prisão do escorregadio produtor Pierre (Mathieu Amalric), Giovanni deve encontrar um meio de continuar a produção agora órfã de financiamento. Enquanto isso, Giovanni deve aceitar o divórcio com a ex-esposa, que agora produz um filme genérico, e os resmungos de um homem de terceira idade.

É que Giovanni é o equivalente ao capitão do barco e ao comerciante russo de Triângulo da Tristeza enquanto discute sobre comunismo, de uma forma prosaica que fala mais acerca do personagem superficial do que sobre o que deseja criticar. Ou o primo mais distante de Woody Allen em Dirigindo no Escuro quando mergulha de cabeça na metalinguagem. Esta decisão até reserva instantes de alívio e lucidez cômica, em meio ao emaranhado de ideias que não vão a lugar nenhum: eu gargalhei no momento em que Giovanni reúne-com com os representantes da Netflix, presente em 190 países do mundo, presente em 190 países do mundo; em contrapartida, não entendi o que desejava quando Giovanni interrompeu as filmagens do filme que a esposa produz por não concordar com o emprego da violência no cinema americano.

Ou melhor, eu entendo a ideia. Somente não entendi de que forma essa sequência serviria de bússola para a perdida comédia. É que A Brighter Tomorrow é na verdade um conjunto de esquetes frouxas, que funcionam independentemente das outras, embora não funcionem conjuntamente. É igual ao circo itinerante literal e metafórico, um conjunto de apresentações que não guardam coesão interna e uma bagunça que tem a ambição de colocar o sorriso no rosto do público. Fellini fez isso, mas inverteu a polaridade do sorriso, pois circos só traziam melancolia; Moretti pretende homenageá-lo sem êxito. 

Ao fim, não faço a menor ideia acerca do que o diretor tentou alcançar (refiro-me a Nanni e a Giovanni, o diretor dentro do filme). Isso pode ser discutido como positivo em críticas que debaterão qual o ofício do autor dentro da indústria cultural engessada, e que restringe sua criatividade à profundidade e liquidez do bolso do financiador, ou, no meu caso, somente é o indicativo de um diretor experiente que não sabia o que desejava realizar ou como. Até é possível pensar se é Giovanni ou Nanni que inspira a ação narrativa ou se é esta que o inspira, para refletir a respeito de um cinema fruto da inquietude do autor diante do cenário contemporâneo da experiência cinematográfica ou se é a teimosia e inquietação autoral que instilaram esse estágio incerto, a mais recente morte do cinema.

Na minha opinião, será interessante ler esses textos mais do que rever o filme para procurar esses significados. Pois o sentimento que tive com A Brighter Tomorrow é igual ao que tive com a cena final em que os artistas que compuseram a história do cinema italiano passeiam em um desfile público que é um ato de revolução para recordar que o cinema está vivo. Não conhecia praticamente nenhum por nome, embora sentisse o significado daquele momento, de um jeito racional, não emocional.

A propósito, o amigo Raffaele Petrini enumerou o nome dos artistas que pôde identificar e os filmes de que participaram. Agradeçam-no, portanto: Anna Bonaiuto (Il Caimano), Giulia Lazzarini (Mia Madre), Alba Rohrwacher (Tre Piani), Jasmine Trinca (Il Caimano), Dario Cantarelli (Bianca), Renato Carpentieri (Caro Diario), Elio de Capitani (Il Caimano), Gigio Morra (Sogni d’Oro), Mariella Valentino (Palombella Rossa), Lina Sastri e Fabio Traversa (Ecce Bombo), Claudio Morganti e Alfonso Santagata (Palombella Rossa).

Crítica publicada para a cobertura do Festival de Cannes 2023

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